«To be, or not to be»: Termos frequentemente confundidos em Marketing

20-11-2023

O Marketing é, de facto, um universo vasto. Apesar de haver um hábito boçal de se proclamar a sua desvalorização – até por parte de quem precisa dele como de «pão para a boca» –, esta área administrativa reúne não só a atividade de se conseguir vender um produto/serviço como também, repare-se, todos os processos intrínsecos à pesquisa de mercado, ao planeamento geral e específico da marca, ao estruturamento de estratégias, às escolhas de canais de distribuição ou de ações de comunicação, à definição do posicionamento da empresa, e afins [1]. O seu pai, Philip Kotler, define inclusive os seus profissionais como "responsáveis por gerenciar a [procura], ou seja, procuram influenciar o nível, a velocidade e a composição da [procura]" [2]. Deste modo, o Marketing é tão amplo que encaixa numa "multiplicidade de interpretações: filosofia de ação empresarial, disciplina voltada para o estudo dos mecanismos de troca, processo gerencial e até mesmo como estratégia empresarial" [1]. Por consequência, torna-se lógico apontar que este serve de hímen entre as vontades do comprador e as da marca, na medida em que um bom Marketing deve alimentar o equilíbrio entre os desígnios da empresa e as necessidades dos consumidores/clientes [2]. Portanto, o Marketing procura gerar valor com foco nos consumidores mas também a partir dos objetivos do negócio.  

Em função da sua complexidade e extensão, a verdade é que o Marketing foi sempre enfrentando, ao longo da sua história, uma certa confusão relativamente ao seu âmago. Nos seus primórdios, existiu o entendimento de que Marketing e Distribuição seriam o mesmo, no sentido em que o Marketing era compreendido como o processo de distribuição de bens [1]; atualmente, a confusão acontece face à Publicidade, visto que se crê que a maioria das ações do Marketing se cinge ao ato publicitário, quando, na realidade, há estratégias de menor custo que criam igualmente valor em relação ao consumidor [2]. Ora, no fundo, tanto a Distribuição (place) como a Publicidade – enquanto componente da Comunicação (promotion) – pertencem à alçada do Marketing, uma vez que, juntamente com o Produto (product) e o Preço (price), constituem os 4 P's do mix do Marketing [3]. O mix de Marketing expressa-se, efetivamente, nas decisões do produto – inerentes à identificação de oportunidades de lançamento de produtos e respetivas adaptações às necessidades do mercado –, nas decisões de preço – cuja aplicação implica o objetivo de produzir uma vantagem competitiva e lucro para o negócio –, nas decisões de comunicação – relacionadas com a promoção de vendas, assim como a escolha e o desenvolvimento de estratégias de comunicação – e as decisões de distribuição – voltadas para a definição de canais de vendas com competência para resolver as necessidades dos consumidores [3]. Deste modo, tendo em conta que os 4 P's se resumem à base para a construção de estratégias [3], ambas pertencem às arestas do Marketing; porém, nem uma nem outra consiste no Marketing propriamente dito.

Contudo, esta confusão de termos acaba por atingir diversos núcleos do Marketing, de maneira que é propósito deste artigo descodificar o caos, em diferentes raios de ação inerentes à área. Aliás, de forma a harmonizar estas elucidações, indica-se um conjunto de dualidade de termos, com vista ao seu posterior esclarecimento: Marketing versus Publicidade (a); Consumidores versus Clientes (b); E-commerce versus E-business (c); Inbound Marketing versus Marketing de Conteúdo (d). Umas mais direcionadas, quiçá, para o indivíduo comum e outras, talvez, mais centradas nos marketers e demais colaboradores desta esfera profissional. Obviamente, depois de visualizada esta «duointerpretação», é possível que as dúvidas se tenham agigantado. To be, or not be, that is the question... 

a) Ora, começando pelo que pode servir de suprassumo em relação à área, o par «Marketing versus Publicidade» revela um dos seus grandes mitos: tal como supramencionado, são termos e valências nitidamente diferentes. Não obstante ser provável um marketer já ter levado algures com o selo de publicitário quando nem sequer toca na zona comunicativa da marca, os termos apenas coincidem em alguns pontos – como o planeamento [3] –, distanciando-se, desde logo, na sua dimensão. Esta comparação é o equivalente a se falar de um tio e de uma sobrinha ou de uma avó e de um neto. O Marketing assume o lugar do tio ou o da avó; a Publicidade assume o lugar da sobrinha ou o do neto. Logo, o Marketing corresponde à área-mãe, em algo transversal que abrange imensos elementos; já a Publicidade consiste num dos ramos do Marketing, sendo, por efeito, um dos imensos elementos que o compõem. Resumidamente, Marketing "é a arte e a ciência da (...) manutenção e fidelização de clientes por meio de um desenvolvimento criativo, da entrega e da comunicação" [4], ao passo que Publicidade se traduz numa pegada da Comunicação, albergando ações comunicativas que, disseminadas através dos media, visam divulgar um produto/serviço e/ou marca [3].

  • Ou seja, o Marketing reúne um complexo conjunto de funções e ideias, efetivando-se, de uma maneira basilar, a partir dos 4 P's. Nesta lógica, o Marketing comanda a Comunicação, que se pode manifestar pela Publicidade. Por sua vez, esta expressa-se por meio de anúncios – como os míticos da Ferrero Rocher ou da Mon Chéri – ou de jingles, por exemplo. [3]

b) Já relativamente ao par «Consumidores versus Clientes», este também entra no rol dos mitos mais capciosos. E não, não é uma questão de se ser picuinhas. São universos que, embora se interliguem, se revelam diferentes. Claro que um cliente não deixa de ser um consumidor; no entanto, acaba por se traduzir em muito mais do que o habitual consumidor. Ora, repare-se:[5; 6; 7] 

  • O dito «consumidor» é um sujeito que paga e/ou obtém produtos ou serviços, mas cujo ciclo de vendas se resume a algo efémero. Não goza de um relacionamento nem duradouro nem forte o suficiente para se sentir atraído por estratégias de Marketing, uma vez que, comprando geralmente por impulso, não costuma comprar novamente no mesmo negócio nem se preocupa com um planeamento atempado e consciente face à compra.
  • Quanto ao «cliente», este consiste num sujeito cuja compra é centrada numa mesma empresa, ao ponto de criar um relacionamento sólido, dado o seu reiterado nível de compra. Assim sendo, o cliente conhece realmente o modo de estar da marca em causa, valorizando o seu bom atendimento ou as suas ações de comunicação, de modo que as estratégias de Marketing têm impacto na sua perceção e são tidas em conta. Por esta razão, em virtude deste envolvimento, este corresponde ao típico freguês, que, apesar de exigir por parte da marca algum cuidado, costuma dignificar a qualidade do seu produto/serviço de eleição.
  • Ou seja, por conceito, se o consumidor compra casualmente face a uma marca em específico, o cliente compra regularmente. Mesmo que não tenha intenções imediatas de executar a compra, o cliente permanece ligado à empresa, mantendo a sua conexão através das redes sociais e outros meios fora da ação final de compra, disponibilizando-se até, aquando do momento final, a pagar mais se for necessário. Já a noção de consumidor prende-se com processos rápidos de procura e compra, bem como com preços acessíveis, não tendo em consideração nenhum tipo de elo com a marca.
  • Desta forma, deve ser desígnio de uma marca transformar os seus consumidores em clientes, no sentido em que, atingido tal estado, se alimenta uma fidelidade fundamental para a sobrevivência de um negócio. O ciclo de venda dos clientes assume-se consideravelmente mais comprido do que o dos consumidores, o que favorece hábitos de compra e uma regularidade importante de vendas, assim como contribui para a prosperidade de qualquer empresa. Nesta lógica, embora sejam conceitos muito próximos, torna-se crucial distinguir consumidores de clientes, dado que, além de se «chamar os bois pelos nomes», se beneficia uma divisão coerente em relação aos indivíduos que compram e se permite a aplicação de medidas pertinentes, como um atendimento especial ou determinadas promoções, face aos que realmente investem no negócio. [5; 7]

Essencialmente, o Marketing rege-se pelo detalhe. Visto de fora, tudo parece igual, mas o sabor de cada iguaria «marketeresca» é diferente e produz resultados igualmente diferentes, ainda que se toquem e se unam em prol da missão de gerar valor em relação ao mercado. Desta maneira, os restantes pares assentam também neste raciocínio, o que ajuda, aliás, a criar as tais confusões que pairam nas ideias dos indivíduos. 

c) Veja-se o caso do «E-commerce versus E-business»: os dois conceitos soam ao mesmo; contudo, apelando-se ao rigor, são termos distintos. De forma sucinta, o E-commerce corresponde ao comércio eletrónico, cuja essência se expressa a partir da Internet, através do processo de compra e venda de produtos/serviços, bem como todo o tipo de transação inerente [8]. Relativamente ao E-business, este consiste no negócio eletrónico, envolvendo toda a realidade intrínseca à vivência digital, de modo que não se cinge apenas à Internet [9]. Por consequência, o E-business não se traduz somente na compra e vendas de produtos ou serviços através da esfera online [9], à imagem do que acontece com o E-commerce, visto que se assume enquanto algo muito mais complexo.

  • No fundo, o E-commerce pertence ao E-business, visto que exerce a sua atividade no circuito online; porém, o E-business, enquanto área-mãe, acaba por ser mais amplo, englobando diversos tipos de negócios, tais como os relativos a empresas, clientes diretos ou atividades administrativas estatais[8; 9]

  • Enquanto o E-commerce se limita praticamente ao uso da Internet, o E-business investe tanto na Internet como na Intranet ou na Extranet. Enquanto o E-commerce necessita apenas de um website para iniciar o seu negócio, o E-business precisa de um website, CRM, ERP, e afins. Deste modo, embora o E-commerce seja parte da «matrioska» do E-business, são dois conceitos diferentes que, apesar de viverem ligados, sustentam armas e critérios diferentes. [8; 9]

d) Também o par «Inbound Marketing versus Marketing de Conteúdo» revela o mesmo significado de superioridade, uma vez que o Marketing de Conteúdo faz parte do Inbound Marketing. Todavia, esta confusão latente entre os conceitos impõe-se, muito possivelmente, devido ao facto de ambos acontecerem no ambiente digital e serem bastante semelhantes na questão da produção de conteúdo. Porém, ao fim e ao cabo, são noções diferentes.

Começando pelo Inbound Marketing, este tipo de Marketing manifesta-se como um Marketing fascinante – quase inserido num estilo galanteador, mas sem dar nas vistas –, dado que o seu conceito se evidencia através da capacidade de não ir atrás dos indivíduos mas, ainda assim, conseguir alcançá-los [10]. Ou seja, este consegue estabelecer um senso de conexão com os potenciais compradores, gerando conteúdo que, aparecendo nos motores de busca, conduz cada sujeito não só a se interessar pelo apresentado como também a investigar informações acerca da marca que o coloca online [10; 11]

  • Ora, no Inbound Marketing, as vendas acabam por decorrer – mais tarde ou mais cedo – através de indivíduos que, já conhecendo a marca, sabem apontar as respetivas necessidades e as soluções que a empresa em questão lhes pode oferecer. Isto é, as empresas fazem com que os indivíduos atravessem um conjunto de fases – assente no funil de conversão (de vendas) –, por meio de uma metodologia centrada no "fornecer conteúdo para atrair leads e futuros clientes, (...) [para que cada sujeito acabe por] se interessar [pela] marca, pelo conteúdo que ela (...) dá e não pelo produto ou serviço dela em si" [10]. De acordo com a literatura [10], estas fases revelam-se do seguinte modo: 
  1. Depois de um determinado sujeito ser atraído para a realidade da empresa (a partir do seu website, por exemplo) e deixar de ser «desconhecido», este acaba por assumir a posição de «visitante». Neste ponto, apesar de já se ter deparado com o conteúdo e continuar a fazê-lo, o indivíduo ainda não é capaz de estabelecer nenhum tipo de contacto de relevo com a marca;
  2. Quando passa para o lugar de «lead», o sujeito já se envolveu de algum modo com a marca, identificando-se perante si, no sentido em que coloca o seu contacto em certos elementos, como formulários;
  3. Já na fase de «cliente», além de comprar realmente o produto, o sujeito alimenta uma relação promissora com a marca
  4. Naturalmente, por fim, o sujeito já consegue assumir um papel de «divulgador», uma vez que, dado o seu nível de inclusão no universo da marca, faz questão de a divulgar.

Assim, praticando estas fases, aliadas a um conjunto de ações fundamentais – atrair; converter; fechar; encantar – que encaixa em cada uma delas e certas dinâmicas que alimentam as roldanas de ambos os universos (blog; formulários; e-mail; monitoramento social; e afins), o Inbound Marketing acaba por corresponder ao efetivar de uma estratégia que, para mais de se assumir sistemática, possui um enorme potencial para adquirir clientes [10].

Já quanto ao Marketing de Conteúdo, este expressa-se em todo o conteúdo propriamente dito, desde que seja criado com desígnios informativos, educativos e de entretenimento face aos seus futuros clientes e consequentes divulgadores [10; 11]. No fundo, consiste numa abordagem estratégica cuja pertinência se estabelece através da criação e distribuição de conteúdo verdadeiramente rico, visto que consegue atrair e manter o seu público-alvo [11]. Aliás, além de informar os indivíduos, o Marketing de Conteúdo procura entregar matéria representativa da marca em causa, com o intuito de potenciar nos futuros clientes um sentido de respeito e consideração pela mesma [10; 11]. Desta maneira, este tipo de Marketing revela-se através de determinadas ações – como posts nas redes sociais, e-books ou infográficos – que impulsionam um senso de valorização em relação à marca [11]. Portanto, embora pareça algo simples, a produção de conteúdo intrínseca a este tipo de Marketing é realmente complexa, tal como se pode verificar pelas etapas do seu processo criativo:

  • Em suma, ambos os conceitos acabam por se centrar na atração de potenciais consumidores, o que gera algumas dúvidas. Contudo, o Inbound Marketing guia-se por um processo de atração inverso, com o propósito de os indivíduos, imbuídos pelo seu interesse, disponibilizarem os seus dados, o que permite à empresa educá-los para se tornarem clientes [10]. Portanto, no Inbound Marketing, os indivíduos é que vão ao encontro da marca e não o contrário. No entanto, o desenvolvimento do Inbound Marketing só se torna possível com a existência do Marketing de Conteúdo, uma vez que é difícil serem gerados leads sem conteúdos interessantes e atrativos. Ou seja, o Marketing de Conteúdo é uma peça-chave na construção de estratégias de Inbound Marketing, pois facilita a sua aproximação aos indivíduos [11]. Logo, um conceito não vive sem o outro, ainda que o Marketing de Conteúdo se destaque enquanto uma estratégia de relacionamento e o Inbound Marketing consista numa estratégia de conversão e vendas.

Em conclusão, face a todas as «duointerpretações» analisadas, denota-se uma certa monopolização de alguns conceitos em função de outros, suprimindo uns em benefício de outros. No entanto, ainda que na maior parte dos pares em análise haja um conceito que pertence ao universo do outro, cada um deles possui o seu papel e importância, de maneira que acrescenta à área do Marketing condimentos pertinentes, bem como informações cruciais ao próprio marketer. Desde a pertinência da frequência de compra (presente na diferença entre «consumidor» e «cliente») à possibilidade de colocação de anúncios online à mercê dos consumidores (presente na diferença entre «Inbound Marketing» e «Marketing de Conteúdo»), por exemplo. Ora, acima de tudo, torna-se fundamental alimentar uma noção realista dos pergaminhos de cada conceito; isto é, «cada macaco no seu galho», mesmo que o galho em si se traduza num pequeno ramo que nasce a partir de um galho maior.

  • [1] Pereira, C. B., Toledo, G. L. & Toledo, L. A. (2009). Considerações sobre o conceito de Marketing: Teoria e Prática Gerencial. Organizações & Sociedade, 16 (50), 519-543.
  • [2] Minuzzi, G. & Larentis, F. (2014). Marketing: definições, aplicações, tendências e desafios do profissional. Revista de Administração IMED, 4 (1), 80-97.
  • [3] Sama, R. (2019). Impact of Media Advertisements on Consumer Behaviour. Journal of Creative Communications, 14 (1), 54-68.
  • [4] Diniz, B. A. & Valdisser, C. R. (2018). Os 4 P's de Marketing com foco na Comunicação: Um estudo de caso na Academia Alpha. GETEC, 7 (18), 1-20.
  • [5] Syed, T. H. & Akhtar, N. (2011). Consumer or Customer - Does the literature care for a difference?. Interdisciplinary Journal of Contemporary Research in Business, 2 (12), 3-12.
  • [6] McLaughlin, H. (2009). What's in a Name: 'Client', 'Patient', 'Customer', 'Consumer', 'Expert by Experience', 'Service User' – What's Next?. British Journal of Social Work, 39 (1), 1101-1117.
  • [7] Datta, S. (2016). Customer vs Consumer – A Different Perspective. International Journal in Management and Social Science, 4 (9), 109-114.
  • [8] Andonov, A., Dimitrov, G. P. & Totev, V. (2021). Impact of E-commerce on Business Performance. TEM Journal, 10 (4), 1558-1564.
  • [9] Mkansi, M. (2022). E-business adoption costs and strategies for retail micro businesses. Electronic Commerce Research, 22 (1), 1153-1193.
  • [10] Dreyer, E. F. & Braz, S. (2018). Inbound Marketing: A Metodologia de uma Empresa geradora de conteúdos. RUNA, 1 (1), 1-21.
  • [11] Trevisan, G. L. & Monteiro, S. D. (2017, agosto 21-23). O Marketing de Conteúdo, o Inbound Marketing e suas confluências à Ciência da Informação. VII Seminário em Ciência da Informação.

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