Pingo Doce e a força de jingles que ficam no ouvido
Todos os portugueses, mais ou menos velhos, têm na sua memória mensagens musicadas que foram ouvindo ao longo dos anos. Assim de repente, podem ser nomeadas várias ações, recentes ou antigas, assentes nesta estratégia: «O Bongo, o Bongo, o bom sabor da selva (...)», da Bongo; «Capitão I-glo!», da Iglo; «(...) A felicidade não tem preço, já dizia o meu avô!», da Olá; «Pa-pa-ra-pa-pa, I'm lovin' it», da McDonald's. Até para produtos em específico, como os que invadiam a televisão na altura do Natal, a cargo da inesquecível Concentra, e que só saíam no final da quadra: «(...) Mauzão, Mauzão, nos ossos ninguém põe a mão (...)»; «Tenho uma nova amiga: É a Kátia... Beijinhos... (...)»; «Vem brincar, vais adorar... Carlota cambalhota! (...)». Na prática, através de uma combinação pomposa entre som e letra, as marcas foram esquadrinhando pontos requintados face à sua oferta, musicando-a de forma a ganhar uma dimensão de memorização e apreço, o que, ao que parece, ainda se mantém atualmente. O objetivo é claro: conseguir materializar esta afeição em vendas – "(...) when customer listen the song again and again the person or a child remember that product and when go for shopping buy that product which ultimately increases the sales of the marketer" [1].
A esta arte, a literatura dá o nome de «jingle», cuja presença na publicidade tem enfatizado a importância de se comunicar sem excessiva complexidade: apesar da sua habitual essência de curta duração, os jingles conseguem, através de um estilo animado e contagiante, mostrar a relevância da marca em questão e ainda impulsionar a compra [2; 1]. Aliás, pelo que se consta, estes possuem o talento de fermentar uma perceção forte nas mentes dos compradores, o que oferece às marcas, tendo em conta os seus veículos de divulgação – por meio da televisão, rádio ou Internet, bem como a partir de colunas de som em supermercados/hipermercados ou shoppings [1] –, uma tangibilidade a uma grande escala [3].
As pessoas, muito possivelmente, não entendem como é que este tipo de canção se cimenta nas suas recordações e entra em loop nas suas cantorias matinais ou vespertinas, a solo ou entre amigos.
Há, desde logo, uma explicação científica que a Semiótica, área voltada para o estudo da atribuição psicológica de significado face a elementos que pertencem à realidade humana – inerentes à música, ao cinema ou à arquitetura, por exemplo –, assume: ainda que a sua essência musical estabeleça um enorme efeito na mente dos indivíduos – como sensações de agrado relativamente ao aspeto musical que ouvem –, os jingles destacam-se devido à conjugação de elementos que o cérebro humano associa automaticamente (no estilo: vaso - flor, regar - água), incitando sentimentos de identificação cujo poder planta nas pessoas uma vontade impulsiva de pertencer ao dito ambiente, o que, por sua vez, conduz à vontade de compra e à compra em si [1; 4]. Neste sentido, e tendo em consideração que a publicidade procura dinamizar informação com o desígnio de estimular decisões benéficas em relação ao negócio em causa [1], os jingles funcionam como um «vírus», pelo que, devido à sua capacidade alastradora da mensagem acerca do produto/serviço ou da marca, acabam por ocupar um lugar especial no coração do marketer. Deste modo, recordando a pertinência do storytelling para o Marketing, os jingles formam uma das mais soberbas armas nestas andanças do «contar histórias», na medida em que contribuem fortemente para a missão do Marketing: estabelecer uma conexão relativamente ao seu público-alvo, com a benesse de se ter «à mão» um método atrativo.
Contudo, importa explicar que o som – cuja expressão, no caso dos jingles, surge através da fusão entre letra e trilha sonora – tem o poder científico de tocar os sentidos das pessoas, sendo que cada sensação potenciada, depois de uma tradução automática por parte do cérebro, acaba por repousar no subconsciente humano, sem sequer passar pela «alfândega» da consciência. Ou seja, colocando «em pratos limpos», cada jingle, através da criação de significados inteligíveis no cérebro, gera nos consumidores alterações que, embora espontâneas, têm interferência na forma como estes veem o mundo. Por esta razão, os jingles notabilizam-se como uma bela cartada na criação de valor para as marcas, uma vez que estes têm a força de estabelecer uma memorização com relevo no patamar emocional, ainda que inconsciente e incoercível. [3; 4]
Em Portugal, o Pingo Doce – cadeia de supermercados e hipermercados de origem lusa – é um dos sublimes escultores de jingles. Desde o mítico «Venha ao Pingo Doce de janeiro a janeiro (...)» até aos seus trunfos natalícios, esta empresa tem vindo a produzir verdadeiras preciosidades, o que faz com que se torne de extrema importância conhecer algumas delas, sobretudo em torno da sua construção, e perceber, na medida do possível, a sua capacidade na disseminação da marca.
Acima de tudo, importa começar por destacar a inegável competência da empresa portuguesa neste capítulo. Não pode ser somente fruto do Além ou obra da sorte o contágio que o Pingo Doce consegue estimular com os seus jingles, nem tampouco a sua idoneidade de se reinventar face ao trabalho anterior, nunca melindrando a sua identidade: uma entidade amiga, com produtos de qualidade e preocupada com a satisfação dos seus clientes. Aliás, o próprio Pingo Doce faz por invocar esta perceção como parte da sua missão: "(...) Fornecer ao consumidor uma solução alimentar de qualidade a preços competitivos. Cultivar uma relação de confiança e duradoura com os seus clientes." Neste seguimento, sem ignorar os princípios que o definem enquanto organização, há uma bonita conjugação de esforços onde, mesmo ousando, o Pingo Doce não se esquece de recorrer à «fibra» – melhor dizendo, mensagens – de que é feito. Por este prisma, é normalíssimo que tais ideias inerentes à missão deste retalhista alimentar se traduzam no «partir pedra» das suas invenções, de maneira que vão acabando, de certo modo, por dar forma à mensagem intrínseca às suas campanhas. Ou seja, estes «chavões» preenchem os jingles do Pingo Doce, que, invadindo a memória dos habitantes nacionais, não há maneira de «desampararem a loja».
Ora, a verdade é que, mesmo passando algum tempo e até já «fora do ar», os jingles do Pingo Doce vibram numa frequência tão impactante que se vão mantendo a latejar na memória dos portugueses, o que inclusive possibilita a reintrodução de esculturas antigas: veja-se o caso do jingle «Quem trouxe, quem trouxe (...)», responsável por adornar a ação promocional do Natal que se aproxima. De facto, enquanto uma das mais recentes evidências deste poder memorial e natural sucesso, este jingle está de regresso ao quotidiano luso, de forma a acompanhar a jornada natalícia do país. Lançado no Natal de 2021 e espelho de uma estrondosa vitória, esta obra do Pingo Doce, não obstante com uma nova roupagem, traz de volta um fenómeno que, passado quase dois anos, promete voltar a aquecer o espírito festivo luso, bem como relembra o peso de um jingle que fica no ouvido.
Agora com a colaboração do cantor Fernando Daniel, depois da participação da cantora Carolina Milhanas em 2021, é capaz de o Pingo Doce vaguear de novo, literalmente, pelas «bocas do mundo» nacional. A própria diretora de Marketing, Maria João Coelho, reconheceu que a canção, na sua primeira aparição, se tornou parte da cultura popular, dada a velocidade com que se espalhou pelos quatro cantos de Portugal e a força com que se vincou no cantarolar das pessoas. Algo que um dos diretores criativos da BBDO – agência encarregue de coordenar as filmagens da campanha que acompanha o jingle –, Pedro Gonçalves, também destacou, apontando que o «Quem trouxe, quem trouxe (...)» deixou de pertencer apenas ao Pingo Doce e passou a ser propriedade dos portugueses. Portanto, é bastante provável que este retalhista alimentar tenha como propósito repetir a glória de outrora, apoiando-se num sucesso previamente consolidado, aparentemente.
No fundo, apesar de não se saber qual o impacto que a (re)aposta no «Quem trouxe, quem trouxe (...)» terá no final da presente época natalícia, há o regresso de um instrumento de valorização da marca, no sentido em que este jingle conseguiu transformar, sem dúvida, um típico anúncio publicitário de Natal num anúncio memorável. Retrocedendo até ao Natal de 2021, importa recordar que o Pingo Doce acabou por usufruir precisamente da tal capacidade alastradora intrínseca aos jingles – a dita essência própria de um «vírus» –, pois o seu jingle natalício assumiu um carácter de fenómeno de popularidade: logo no seu lançamento, o «Quem trouxe, quem trouxe (...)» foi-se espalhando pela rede social TikTok, pelas cantorias de rua, pelas vozes de figuras públicas. Dada a sua louca expansão, a canção tornou-se um ícone, o que, aliás, se confirma pelo estudo da Publivaga – da Marktest –, onde esta campanha de Natal foi considerada a mais recordada de 2021. Naturalmente, sendo que até a Psicologia Cognitiva aponta que o ser humano goza realmente de uma «mente musical» [2], o Pingo Doce, ao acrescentar uma canção alegre e contagiante à sua ação de publicidade, acabou por agilizar um estímulo sensorial capaz de afetar as expetativas dos indivíduos, bem como mudanças no comportamento de compra em favor da marca [3]. Efetivamente, de certo modo, tais consequências vieram mesmo a acontecer, uma vez que esta empresa portuguesa registou, no ano de 2022, um crescimento de 11,2% em vendas face ao ano anterior.
Como é lógico, estes frutos de 2022 não são apenas efeito de um jingle de Natal bem conseguido; porém, algum impacto o «Quem trouxe, quem trouxe (...)» terá tido. Até porque a força deste jingle não se limitou sequer ao período natalício, uma vez que foi tão bem-aceite e se tornou tão adorado que serviu de «pano de fundo», já em 2022, a uma publicidade nada a ver com o Natal. Embora tenha sido numa publicidade relativa aos restaurantes acrescentados aos seus supermercados e hipermercados – «É Tão Bom Comer Assim» –, o Pingo Doce não se inibiu de recordar uma canção verdadeiramente querida e que, tal como a diretora da agência autora da campanha de 2021 apontou, marcou esta marca retalhista.
De facto, à imagem do que refere a literatura [1; 2], as canções costumam ser utilizadas regularmente na publicidade, uma vez que, devido ao seu talento para estimular a memória dos indivíduos, se assumem como um dispositivo mnemónico. Assim sendo, o Pingo Doce aproveita esta arte de uma forma eficiente para invocar o storytelling, pois acrescenta voz às histórias que procura ver relatadas e, além de criar uma identidade musical, cimenta uma identificação quanto aos seus compradores [5]. Apesar de o Pingo Doce também ter assinado trabalhos somente centrados numa trilha sonora, a letra adiciona o movimento, o agir, o incentivo à compra, mergulhando as possíveis condutas dos indivíduos numa canção orelhuda e de fácil encaixe. Consequentemente, dado que o storytelling arrasta consigo as histórias da marca misturadas com os seus valores [5], os jingles do Pingo Doce traduzem-se, enquanto prosódia, numa complexa leitura da empresa, viralizando a sua essência e, obviamente, disseminando as suas características.
Ora, voltando ao «Quem trouxe, quem trouxe (...)» de 2021 – cuja aceitação e força, tendo por comparação a sua versão mais recente, estão comprovadas, o que ajuda na constatação científica da sua construção –, verifica-se um ritmo que parece pertencer à voz que o acompanha, o que, dada a construção prosódica da canção, é natural. Repare-se: segundo a literatura [2], os jingles devem ter em atenção a prosódia musical, no sentido em que a tónica das palavras deve coincidir com a tónica da própria música; no caso deste jingle, palavras como «saudade», «abraço» ou «presentes», que fecham o respetivo verso, possuem uma especial entoação na sua sílaba tónica – devidamente destacada a negrito acima –, o que condiz com a música em si, onde existem ligeiras oscilações na melodia para realçá-las. Todavia, este pormenor representa tantos outros que tornam o jingle simples de consumir, como as rimas (relativamente às quadras que antecipam o refrão – por exemplo, «E as iguarias / Que dão à mesa / Aquela cor / Tão portuguesa» –, bem como face ao próprio refrão, numa rima rara e preciosa – «Quem trouxe? Quem trouxe? / Foi o Pingo Doce») ou uma história que faça sentido (isto é, uma típica família portuguesa que, mantendo a tradição, se volta a reunir para celebrar o Natal, numa casa onde, abatendo-se as saudades entre familiares, abunda alegria e produtos do Pingo Doce) [2].
Posto isto, tendo em conta que o storytelling favorece a tal venda de valores por parte da marca [5], este jingle conta uma história cujo âmago de portugalidade, além de manifestar os valores pelos quais o Pingo Doce se rege, é capaz de acelerar a identificação face aos portugueses que gostam de desfrutar do Natal e, por consequência, em relação à marca em causa. Naturalmente, qualquer português apreciador da quadra natalícia repara no potencial das saudades rompidas com um abraço, dos presentes trazidos pela avó ou dos primos que emanam calor e magia que preenchem a casa, visto que é bastante possível se sentir representado neste turbilhão de valores «camuflados». Porém, também o facto de o Pingo Doce associar à sua imagem palavras como «tradição», «poupança» ou «iguarias», na medida em que se assume responsável por as trazer para o Natal dos seus compradores, adiciona uma perspetiva de entidade disponível para ajudar: ou seja, uma empresa que, valorizando a tradição de Portugal, aposta em produtos cujo requinte é elevado e que protagonizam uma refeição sem gastos excessivos, o que é sempre simpático para o orçamento das famílias. No fundo, e recuperando as ideias inerentes à missão do Pingo Doce – entidade amiga, com produtos de qualidade e preocupada com a satisfação dos seus clientes –, o «Quem trouxe, quem trouxe (...)» de 2021 estabelece um storytelling em torno da harmonia familiar e do espírito natalício, no qual a empresa portuguesa, enquanto aliada de peso, colabora através da sua oferta, com o intuito de precisamente satisfazer as necessidades comuns de quem celebra o Natal.
Contudo, este magnetismo provocado pelo jingle em questão tem ainda o importante e supramencionado auxílio da Semiótica, cuja missão é "revelar as características estruturais das mensagens, auxiliando na interpretação" [4]. Já se sabe que o Pingo Doce é uma entidade que vende um comportamento friendly, que se diz preparada para ajudar os seus clientes, que quer simplificar a preparação dos portugueses para o Natal. Porém, se não fossem acrescentados elementos que o cérebro humano reconhece facilmente e que o povo português associa automaticamente ao período natalício, o «Quem trouxe, quem trouxe (...)» de 2021 não teria a mesma força. Ora, com apoio da base científica [4], repare-se:
- Desde logo, o jingle em causa possui como sujeito emissor um comprador comum do Pingo Doce, sendo ele quem envia a tão desejada mensagem ao(s) recetor(es) – os portugueses com poder de compra e cujo envolvimento com o Natal é considerável. Naturalmente, passando o Natal com a sua família, o sujeito emissor relata nas quadras que antecipam o refrão as pessoas que, de certa maneira, vão trazendo os condimentos necessários para a reunião familiar – «O avó trouxe...»; «A avó trouxe...»; «A tia trouxe...»; «E os primos...». Todavia, estas referências servem também para colocá-las enquanto transmissoras de significados importantes para o Natal português. O avó trouxe?! O quê? A saudade embrulhada num abraço. A avó trouxe o quê? Presentes enfeitados com um laço. E assim sucessivamente. Ou seja, lançando elementos relativos ao universo do Natal, há uma explicação decisiva da ação: expõe-se a azáfama natalícia, cheia de gente e de convívio, enaltecendo o grande cerne do jingle. (Natal)
- Cumulativamente, através do pré-refrão, há a indicação de elementos – ainda que, de certo modo, subjetivos – cruciais para o Natal português, como a «tradição», o «sabor» ou a «ceia», por exemplo. «E a tradição?»; «E o sabor?»; «E a ceia?». Neste momento, ainda que num formato de questão, verifica-se o acréscimo de outros pormenores natalícios, já com o desígnio prévio de encaixar o clímax do jingle, onde se dá a união efetiva entre os dois mundos. (Natal)
- Ora, de facto, é no refrão que acontece a fusão entre o Natal e a marca, visto que a pergunta que se vai instalando – «Quem trouxe? Quem trouxe?» – se vê respondida. Também as diferentes questões levantadas no pré-refrão têm o enlace perfeito, visto que, enquanto alavanca para a entrada do refrão, ajudam no desfecho ideal, onde se descobre o autor da entrega dos tais pormenores natalícios, que, aparentemente, ninguém da família trouxe. No final de contas, «Foi o Pingo Doce»! (Natal + Pingo Doce)
Assim, torna-se lógico que o «Quem trouxe, quem trouxe (...)» – de 2021 – seja um jingle que fica no ouvido, uma vez que combina em si vários fatores que atraem os indivíduos. Efetivamente, a partir de uma combinação impetuosa entre storytelling, prosódia musical e Semiótica, mesmo que seja retirado o trabalho videográfico – como acontece na rádio ou nas colunas dos shoppings –, a canção ganha vida, assumindo feições que a transformam num modelo de fácil memorização e apreço, o que contribui para a disseminação da marca. No entanto, este elixir é mais usado do que parece, dado que o Pingo Doce o vai aplicando para moldar os seus diversos jingles, provavelmente com o propósito de se manter fiel à sua identidade. Veja-se o jingle natalício «Era Tão Bom Se Tudo Fosse», de 2022 – o tal ano de interregno para o «Quem trouxe, quem trouxe (...)» –, outro trabalho de Natal da marca, de facto, mas cujas semelhanças face ao de 2021 são imensas; desde logo, por ter sido também um sucesso.
De facto, o «Era tão bom se tudo fosse (...)», em termos de storytelling, acaba por manter, grosso modo, a essência do estilo do «Quem trouxe, quem trouxe (...)» de 2021: a preparação para a celebração do Natal em família, onde, com vista ao respeito pela tradição portuguesa, o Pingo Doce reforça a sua participação a partir de produtos de alta categoria. Claro que, mais uma vez, os portugueses a quem a quadra natalícia lhes é especial se veem representados, como no facto de o conceito de Natal se traduzir na reunião familiar e no saborear dos pratos típicos. Contudo, este retalhista alimentar não se esquece igualmente de associar à sua imagem termos como «fresquinho», «tão bom» ou «poder poupar», o que volta a revelar uma importante manifestação de valores por parte do Pingo Doce: uma empresa cujos produtos, além de estarem repletos de atributos, são a um preço acessível, o que impulsiona uma sensação de agrado relativamente aos portugueses e às suas carteiras. Desta forma, e tendo em conta algumas das noções que formam a aparente missão do Pingo Doce – entidade amiga, com produtos de qualidade e preocupada com a satisfação dos seus clientes –, o «Era tão bom se tudo fosse (...)» favorece também um storytelling em torno da natureza natalícia, onde esta marca retalhista, como cúmplice na construção de uma época festiva agradável, auxilia Portugal por meio das suas mercadorias, de modo a potenciar justamente a sua satisfação.
Já relativamente à prosódia musical, o «Era tão bom se tudo fosse (...)» pode ser entendido igualmente como uma canção onde a letra e a trilha sonora andam de mãos dadas, devido ao facto de a tónica das palavras também encaixar na tónica da música em si. Repare-se numa das quadras do jingle, com as sílabas tónicas das palavras que fecham o verso deviamente sinalizadas: «Tudo sempre tão fresquinho / Feito com tanto carinho / A qualidade que eu mereço / Sempre sempre ao melhor preço» – na própria trilha sonora, há variações musicais que acompanham a letra e que, no momento exato, destacam a respetiva sílaba tónica das palavras ditas finais, o que ajuda no desenvolvimento de uma harmonia prosódica. Também as rimas estão presentes no jingle em questão, até de uma forma mais veemente em comparação com o «Quem trouxe, quem trouxe (...)» de 2021, onde se verifica a existência de rimas emparelhadas nas quadras que antecipam o refrão («Uma casa onde o Natal se sente à mesa / É uma casa portuguesa com certeza / Com a cor e o sabor das iguarias / A poupar todos os dias» ou «Porque um Natal feliz / Toda a gente o diz / É quando nos juntamos / E saboreamos»), além de que o próprio refrão apresenta uma rima perfeita cuja construção está assente na combinação de sons e não de letras («Era tão bom se tudo fosse / Como é no Pingo Doce (...)»). Ainda se evidencia uma história com lógica, facilmente detetável pelo público-alvo da publicidade, centrada numa aliança entre o Natal e o Pingo Doce.
No que diz respeito à Semiótica, o «Era tão bom se tudo fosse (...)» usa igualmente elementos cuja associação é automática, abordando, inegavelmente, o universo do Natal português. No entanto, ao contrário do «Quem trouxe, quem trouxe (...)» de 2021, a mensagem inerente a este jingle não se limita a relatar a essência de reunião familiar, apesar de, efetivamente, aparecer em grande destaque. Por exemplo, o início do jingle aborda mais a missão do Pingo Doce («Tudo sempre tão fresquinho / Feito com tanto carinho / A qualidade que eu mereço / Sempre sempre ao melhor preço»), enquanto berço dos produtos e como ponto de venda que alimenta a combinação «qualidade-preço», mesmo não sendo propriamente quanto ao Natal. Ainda assim, o «Era tão bom se tudo fosse (...)» é um jingle natalício, pelo que, acima de tudo, revela pormenores voltados para a época:
- Desde já, importa referir que este jingle tem como sujeito emissor, à semelhança do «Quem trouxe, quem trouxe (...)» de 2021, um comprador comum do Pingo Doce, tal como é possível reparar pelo início do jingle – através da expressão «(...) eu mereço» – ou até pelo seu fim – através do «nós» subentendido na parte «É quando nos juntamos (...)», onde este coloca o foco, possivelmente, sob os portugueses que gozam o Natal, no qual se inclui. Neste sentido, enquanto transmissor da mensagem, o refrão acaba por ser, de certo modo, um desabafo do mesmo, quase num estilo «Quem me dera que tudo na vida fosse tão simples como é relativamente aos produtos do Pingo Doce». Também o facto de se tratar de um comprador comum, à imagem do jingle natalício de 2021, ajuda a que os outros compradores se revejam nas suas posições e, quiçá, nas suas sensações, o que mostra que o(s) recetor(es) da mensagem são, possivelmente, os portugueses com poder de compra e com um grande envolvimento relativamente ao Natal. Todavia, no fundo, o que se verifica é uma exposição coerente da ação: embora o ponto de partida se centre em realçar o Pingo Doce enquanto entidade, a ação vai-se desenrolando em direção ao universo do Natal, onde se expressa a ideia de reunião à volta da mesa, de convívio natalício e de aproveitamento dos momentos. (Pingo Doce + Natal)
- Em relação ao Pingo Doce, a referência a alguns detalhes que invocam sensações, como o «fresquinho» ou o «sabe tão bem», conduzem cada português a cair no seu imaginário e a sentir conforto face ao jingle, uma vez que são potenciadas características cuja amabilidade é considerável. Já quanto ao Natal dentro do jingle, há, por exemplo, uma referência direta – «Uma casa onde o Natal se sente à mesa» –, na qual, de seguida, se anexa um conjunto de elementos referentes à realidade portuguesa, tais como a expressão «É uma casa portuguesa com certeza», popularmente conhecida por ser cantada pela voz da fadista Amália Rodrigues. Deste modo, mesmo fechando os olhos, existem pormenores que remetem diretamente para Portugal e para o seu Natal, o que favorece uma aceitação relativamente à mensagem em causa. (Pingo Doce + Natal)
Resumidamente, o Pingo Doce é um escultor de jingles de «mão cheia», onde, além de os construir com preceito e valor, a coerência impera. A própria literatura afirma que "a letra de um jingle [deve ser] (...) escrita usando rimas de fácil memorização, [contendo] os principais atributos e o nome da marca, [para além de que] o seu ritmo [deve advir] de uma estrutura simples que pode ser facilmente repetida após algumas audições" [5]. Ora, em relação aos dois jingles profundamente analisados, há rimas de fácil memorização, atributos devidamente expostos – que, não obstante os jingles serem de anos distintos, se vão mantendo, como a aposta do Pingo Doce na parte da poupança ou na da qualidade dos produtos, o que é sinal de uma imagem coerente –, o nome da marca com fartura e ritmos animados que estimulam um certo vício de audição. Nesta lógica, pode-se afirmar que esta cartada dá à marca retalhista um lugar na memória dos indivíduos, visto que, segundo reza a literatura [1], o acréscimo de uma canção às ações de publicidade, além de atrair fortemente a sua atenção, facilita a transmissão da mensagem em causa, cimentando-a. Quer o jingle tenha sido lançado recentemente, como em 2021 ou em 2022 – ou até em 2023 –, quer tenha sido há já uns valentes anos.
Posto isto, e realçando novamente o facto de o ser humano ser dotado de uma mente especificamente musical, é possível concluir que o Pingo Doce acaba por estabelecer uma pegada que fica na vida e nos ouvidos dos portugueses, por via de uma construção de jingles que, cientificamente, resulta. Além deste aspeto, esta cadeia de supermercados e hipermercados também produz sonoridades que revelam a sua essência, sem dó nem piedade. Repare-se no seu velhinho «Venha ao Pingo Doce de janeiro a janeiro (...)», de 2009, cuja mensagem, ainda que não esteja assente num fator sazonal – como os jingles de Natal supramencionados –, apresenta igualmente um Pingo Doce que alimenta a ideia de preços baixos, de aposta na qualidade e de uma portugalidade intrínseca ao seu estilo. Ou seja, desde o fado enquanto parte da trilha sonora até a uma letra que sublinha as potencialidades desta retalhista alimentar, verifica-se, mais uma vez, a exposição do Pingo Doce através de um jingle que inclui os conceitos de storytelling, prosódia musical e Semiótica.
Em termos de storytelling, este jingle relata a capacidade de manutenção das características primordiais do Pingo Doce, no sentido em que, perante a mudança natural do mundo, a empresa portuguesa permanece fiel a si mesma e capaz de continuar a oferecer os mesmos índices de qualidade, de preços baixos e de amor a Portugal. Aliás, estando realmente confiante desta sua mais-valia, o Pingo Doce acaba por apelar a que o visitem o ano inteiro, pois, independentemente do momento do calendário, mantém a sua essência. Isto é, aplica-se, novamente, uma venda de valores, dado que o jingle cultiva uma noção de confiança constante, que não desvanece sequer com o tempo.
Quanto à prosódia musical, e já se tendo constatado que existe uma história com sentido – também um trunfo prosódico –, o jingle em causa ainda recorre a rimas («Tudo aqui é bem melhor / Tem de tudo e mais fresquinho / Tudo aqui tem mais sabor / Tudo é feito com carinho») e usa um ritmo que evidencia a tónica das palavras, tal como se confirma pelo seu refrão, onde, com vista à sua valorização, as respetivas sílabas tónicas – a seguir destacadas a negrito – encaixam harmoniosamente nos movimentos da melodia, estando devidamente munidas de entoação e destaque («Venha ao Pingo Doce / De janeiro a janeiro / O preço é sempre baixo / A loja toda o ano inteiro»).
Já relativamente à Semiótica, este jingle também trabalha aspetos que o cérebro associa rapidamente, desta vez direcionados ao universo das compras, principalmente, assim como à realidade nacional. No entanto, desde já, é de salientar que, ao contrário dos outros dois jingles, o sujeito emissor vem de dentro do próprio Pingo Doce, sendo assumida esta posição tanto no pedido principal do jingle – «Venha ao Pingo Doce» – como nas quadras – «(...) a qualidade e o preço baixo / Pingo Doce / e o nosso amor por Portugal»; contudo, mesmo com alicerces nesta lógica, o(s) recetor(es) da mensagem continua(m) a traduzir(em)-se nos portugueses com poder de compra. Ainda assim, o que importa realmente evidenciar é que são invocadas expressões que conduzem os compradores da marca retalhista a uma viagem de frescura e de deleite, com os carimbos da qualidade e da poupança a encabeçarem a ideia – «Tudo aqui é bem melhor / Tem de tudo e mais fresquinho / Tudo aqui tem mais sabor (...)»; «Receita Pingo Doce toda a diferença faz / Aqui no Pingo Doce seu dinheiro vale mais (...)» –, além do tal amor a Portugal.
Ainda há outro importante apontamento semiótico, e com vital inspiração na base científica [4]: de facto, existe um fio condutor deveras sensitivo, na medida em que há uma intenção de apontar elementos capazes de suscitar perceções claras da mensagem, à semelhança dos jingles de Natal analisados. Embora o teor seja diferente, inicia-se igualmente o jingle num ponto que contribui para o enlace perfeito, colocando à mercê do(s) recetor(es) uma explicação crucial para a ação: a mudança lógica e esperada do mundo – «O mundo roda / E tudo muda sem parar» –, de forma a introduzir, de seguida, a solução que os indivíduos anseiam receber – «Mas uma coisa permanece igual / A qualidade e o preço baixo / Pingo Doce / E o nosso amor por Portugal». Ou seja, planta-se a ideia de um movimento – inerente à parte do mundo rodar e do rodopio constante de alterações –, o que, em função do seu balancear próprio, coloca os compradores ansiosos e tontos; porém, depois, nasce um raciocínio de conforto – a solução Pingo Doce –, através de ideias, como a da qualidade e do preço, que instalam um clima de estabilidade. Neste sentido, cria-se o contexto indicado para se dar o tal enlace perfeito: o pedido para a visita – «Venha ao Pingo Doce (...)».
Os jingles oferecem, assim, ao Pingo Doce uma estratégia que fortalece a sua presença, uma vez que, sendo estes esculpidos com toda a pompa e circunstância, fomentam uma ligação emocional relativamente aos seus compradores. Aliás, tendo em conta que são canções que relatam justamente a identidade da marca, a sua força permite que esta empresa portuguesa espalhe o seu cunho, com o desígnio de a fazer assumir um lugar de destaque na vida do país. Por conseguinte, os jingles em causa, por meio do seu poder mnemónico, também contribuem ativamente para o efeito das campanhas de publicidade, pois, além de as tornarem mais recetivas, aumentam as chances de o Pingo Doce ganhar um lugar de apreço nos corações lusitanos.
Acima de tudo, ainda que exaltando truques científicos, o Pingo Doce usa e abusa de um certo senso de congruência, o que pode servir de eventual explicação ao seu notável sucesso: nos seus jingles, independentemente do ano ou do tema, fala-se de poupança, de sabor, de qualidade, de frescura, de Portugal – mesmo que cada um deles seja trabalhado de modo a colocar o "texto em frases musicais, considerando a acentuação das palavras e as proeminências musicais" [2], como apela a prosódia, para encaixar de uma melhor forma no cérebro dos indivíduos; ou que invista numa trilha "que acompanha (...) as [suas] frases, ajudando a passar a mensagem (...) e (...) fazendo com que os ouvintes se envolvam" [4], como indica a Semiótica e o próprio storytelling. Nos jingles, o Pingo Doce mantém a sua linha de raciocínio, o que o distancia de uma perceção de marca confusa ou dúbia, favorecendo, pelo contrário, uma associação coerente e única face a si. Deste modo, e visto que um espírito contagiante e ordeiro de jingle beneficia a exposição da marca e potencia a possível compra relativamente à sua oferta, o retalhista alimentar em questão acaba por agilizar a sua divulgação, o que estimula o conceito de Brand awareness no seu seio, cuja tradução literal revela as suas propriedades: consciência de marca.
De facto, através de jingles que clamam pela aparente imagem de entidade amiga, com produtos de qualidade e preocupada com a satisfação dos seus clientes, o Pingo Doce promove a propagação de características e valores que o definem e comandam, para mais de estabelecer um princípio de familiaridade com os seus compradores, ao ponto de estes conseguirem ter plena noção do cerne das suas mensagens. Contudo, esta harmonia de estratégia também colabora na construção de uma identidade musical, cujo poder favorece um identificação particular e/ou coletiva quanto à população portuguesa, na medida em que se denota uma valorização do contexto, aplicando não só aspetos voltados para a área do negócio, como a poupança, como também centrados na portugalidade e nas aventuras do quotidiano português. Ou seja: mesmo retirando a força da representação cinematográfica das suas campanhas, o Pingo Doce continua, ainda assim, a apresentar verdadeiros David's – de Michelangelo –, pois são jingles que, ficando no ouvido, não há porosidade que os destrua.
Talvez não existam nem fórmulas certas nem erradas para construir bons jingles, ou antídotos especiais capazes de levar os jingles concorrentes a um menor reconhecimento; talvez haja, em primeiro lugar e principalmente, um sentido de coerência, cuja essência não adormece nem com os anos de existência do Pingo Doce, nem com a sazonalidade propícia às leis do negócio.
- [1] Shakil, A. & Siddiqui, D. A. (2019). How jingles in Advertising Affect Retention and recall of the product. International Journal of Thesis Projects and Dissertations, 7 (9), 20-29.
- [2] Massini-Cagliari, G. A. (2021). Prosódia Musical como pista para o ritmo linguístico: Análise de jingles de propaganda. In N. C. Prado & A. C. Cangemi (Orgs.), Estudos fonéticos e fonológicos: observando fatos linguísticos (pp. 127-150).
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