Fusão entre significados nacionais e futebol: As camisolas do Euro 2020 que ousaram recordar os recantos da memória
INTRODUÇÃO
Hoje, Portugal anunciou ao mundo os equipamentos que a sua seleção A masculina de futebol irá utilizar no Europeu que se aproxima, com início marcado para o próximo mês de junho. Em termos de grandes torneios de cariz europeu, este conjunto de equipamentos corresponde à segunda fornada após a conquista histórica do Euro 2016, substituindo os uniformes que os portugueses envergaram durante o Euro 2020 – uns equipamentos tanto quanto míticos, devido ao facto de terem estampados dois «patches» em simultâneo, o de campeão europeu e o de vencedor da Liga das Nações 2018/2019.
Contudo, nestas novas vestimentas, o que saltou realmente à vista foi a camisola do equipamento alternativo da Equipa das Quinas, onde se homenageiam os típicos azulejos lusos, não só evidenciando o fulgor da arte arquitetónica do país como também, dada a sua utilidade nos jogos fora, assumindo-a como um elo de ligação a «casa».
Há poucos dias, o equipamento alternativo da Bélgica, para o mesmo efeito, fez igualmente furor aquando do seu anúncio, por ser uma homenagem às «Aventuras de Tintim» – famosa banda desenhada da autoria do belga Hergé. Embora com um cunho secundário, a própria camisola assume uma batuta imperativa e protagonista, devido ao facto de possuir precisamente as mesmas cores e estilo da personagem da banda desenhada, o que lhe confere um certo destaque por representar um interessante rasgo de criatividade.

Curiosamente, a camisola de Portugal é «made in» Nike e a da Bélgica «made in» Adidas. Porém, acima das marcas dos respetivos uniformes, ambas são uma nítida referência a significados das duas nações, o que acaba por dar asas a uma pertinente conexão entre nativos e a esfera futebolística do seu país. De facto, dado o futebol ser um desporto com um estrondoso impacto em termos sociais, as suas camisolas (os equipamentos, no geral) simplificam um instinto de inclusão, visto que cada adepto, ao envergá-las, estabelece um elo físico com o universo ao qual presta reverência. Aliás, as camisolas de futebol "são mais do que meros adornos ou fardamentos (...). Revelam, obviamente, (...) a exposição dos signos, escudos, cores" [1]. Ainda mais no caso das seleções nacionais, sendo elas as representantes de um país.
- Efetivamente, no futebol, o valor que os adeptos dão à seleção do seu país é reflexo da paixão que os mesmos sentem enquanto identidade nacional. Segundo a literatura, há um orgulho que "se recobre de signos da pátria, proliferando [o] (...) ufanismo (...) de pertencer àquelas cores" [2], pelo que os adeptos não são apenas adeptos – são também habitantes do território, símbolo da cultura nacional e sinónimo patriota. Assim, regra geral, o fervor em torno de um país numa partida de futebol é mediado pelos seus nativos, de modo que este desporto consegue estar "no centro do processo de significação e pertencimento a um determinado lugar, a uma determinada nação" [2].
- Em síntese, de uma maneira ampla, pode-se constatar que as camisolas de futebol se traduzem numa "espécie de encontro com o outro ou (...) contra outros" [1]. Por efeito, no seu design, estas acabam por servir de elemento expositivo para explorar os pontos fortes da equipa em causa, como os significados tangíveis e intangíveis de um país, no caso de seleções nacionais. Logo, enquanto argumento de moda mas também de significado comunitário, a camisola de futebol de uma seleção nacional assume "um ponto de vista identitarista na produção de solidariedades (entre [adeptos], jogadores, um povo [...])" [1], cujo poder cruza a história e a memória coletiva, uma vez que une a importância do tempo, inerente à primeira, e a vivacidade e capacidade de impressão, intrínseca à segunda [3].
Desta forma, estando um novo Euro masculino de seleções A à porta e sendo o Euro 2020 a sua mais recente edição, é propósito deste artigo mostrar exemplos provenientes de tal torneio europeu, com o objetivo de evidenciar sagazes fusões entre significados nacionais e futebol. No fundo, a presente investigação procura indicar exemplos catalisadores de Marketing, no sentido de se valorizarem a partir do acréscimo de aspetos patriotas ao seu design. De facto, importa referir que as camisolas de futebol que incluem elementos identificativos, pessoal ou coletivamente, e agentes de nostalgia acabam por ser um estímulo para o negócio. À imagem do que invoca a literatura, este processo comunicativo de regresso ao passado agiliza, de certa maneira, uma aproximação aos valores de identificação: "Sempre se destaca algo que possa comover, alimentar a nostalgia, vender" [3]. Portanto, a missão desta análise passa por apontar camisolas do Euro 2020 que entreguem valor através do efeito nostálgico e de valências patriotas.
Posto isto, e com uma fantástica ajuda do trabalho de síntese e organização da ESPN BR em torno dos equipamentos do Euro 2020, este artigo expõe seleções nacionais que, independentemente do prisma de abordagem, se aventuraram a definir pontos de destaque do seu país enquanto tema das respetivas camisolas. No entanto, com o pleno intuito de apenas incluir bons exemplos de apelo aos significados nacionais, as camisolas escolhidas enfrentaram um processo de filtragem, acabando, assim, por serem catalogadas por determinados parâmetros:
Parâmetro 1. Das seleções nacionais escolhidas, praticamente todas são introduzidas através – e somente – da sua camisola principal. Além de serem expressões literais do país e acabarem por acompanhar as cores das bandeiras, estas traduzem-se em representações fiéis e criativas da fusão entre significados nacionais e futebol, o que, fruto de uma análise e avaliação particulares, não se pode apontar tanto às camisolas secundárias.
- Neste parâmetro, há os seguintes países: Eslováquia [Nike]; Portugal [Nike]; Bélgica [Adidas]; Hungria [Adidas]; Áustria [Puma]; Chéquia [Puma]; Ucrânia [Joma]; Dinamarca [Hummel].
Parâmetro 2. Existem, todavia, algumas camisolas secundárias de relevo, onde os significados nacionais também são, de facto, protagonistas. Portanto, numa apresentação conjunta – pois, curiosamente, as suas principais usufruem igualmente do mesmo tema –, estas conseguem manifestar pormenores memoriais dos respetivos países, de modo que merecem um especial apontamento.
- Relativamente a este parâmetro, denota-se a presença das seguintes nações: Croácia [Nike]; França [Nike]; País de Gales [Adidas]; Itália [Puma].
- Para automatizar a associação, este segundo parâmetro está representado por (&).
Parâmetro 3. Há, no entanto, uma seleção que foge à regra, no sentido em que nem é apresentada através apenas da sua camisola principal, nem está assente numa apresentação conjunta entre a principal e a secundária. Pelo contrário, este país é apenas apresentado através somente da sua camisola secundária, devido ao facto de, face à essência do artigo, só esta ser de registo.
- Quanto a este último parâmetro, existe a Inglaterra [Nike].
- Para automatizar a associação, este terceiro parâmetro está representado por (#).
Ora, de forma a se (continuar a) organizar o conteúdo do artigo e contribuir para um melhor entendimento da sua complexidade, as seleções em análise estão divididas pela marca do respetivo equipamento. Embora a marca em si não seja o principal foco, esta dá um fio condutor coerente ao artigo e alguma perceção do modus operandi da responsável por personalizar as camisolas tidas em conta, o que não deixa de ser pertinente enquanto personalização de marca. Devidamente assinaladas (com uma cruz amarela), o esquema seguinte mostra justamente cada seleção em análise mediante a respetiva marca, para auxiliar na sua exposição e exploração das suas camisolas.
Em caso de dúvidas e/ou dificuldades em associar qual a seleção correspondente, há ainda o complemento visual abaixo, relativo aos grupos da Fase de Grupos da competição. Como é óbvio, com base nas bandeiras acima assinaladas, nasce a oportunidade de entender, no fundo, de quais nações se tratam. Apesar de estar em inglês, este esquema auxilia na construção mental alusiva não só às respetivas cores como também a elementos inerentes à imagem da seleção, cujo objetivo é fomentar a associação entre país e bandeira.
a) NIKE
1. (&) CROÁCIA [Croatia]: Aparentemente, a Croácia é fã de clássicos, não fosse ela dona de uns míticos quadrados vermelhos e brancos que, apesar de terem nascido no primeiro jogo do país – a 17 de outubro de 1990, diante dos Estados Unidos da América –, ainda se vão mantendo. O Euro 2020 não foi exceção, sendo a sua camisola principal, além de uma obra bem conseguida por parte da Nike, espelho de um inegável respeito pela história da formação do Leste Europeu. Contudo, o fabuloso trunfo dos croatas revela-se no seu equipamento secundário, onde o seu típico quadriculado, apesar de estar trabalhado de forma diferente, ganha relevo; nele, suscita-se também uma forte valorização do orgulho nacional.
- De facto, no Euro 2020, os quadrados da camisola principal, embora sejam maiores comparativamente a equipamentos de outrora, são exemplo de uma certa consciência de história. Ainda que os anos passem, alimenta-se a tradição de ter os quadrados vermelhos e brancos na camisola do equipamento principal croata, o que, além de servir como associação à bandeira do país, aponta um senso de valorização da sua herança cultural. O azul, igualmente presente no seu berço enquanto seleção nacional, também não é esquecido, através de uns raios laterais pintados nessa cor.
- No entanto, essencialmente, esta camisola é a substituta da mítica que fez vergar o mundo aos pés da Croácia, no Mundial 2018, ocorrido na Rússia. Importa recordar que os croatas surpreenderam o universo futebolístico ao chegar à final, pela primeira vez na sua (curta) história, embora tenham perdido diante da França. Ou seja, a camisola do Mundial 2018, já com o quadriculado agigantado – por exemplo, comparado com o torneio anterior, o Euro 2016 –, tornou-se parte da história contemporânea da seleção nacional, visto que se traduziu na representação (principal) da obra da equipa do Leste Europeu. Por esta razão, a (novamente) opção pelos quadrados grandes pode ter sido uma maneira de homenagear o feito de 2018, que, diga-se, foi uma enorme conquista para um país que lutou bastante pela sua independência (tal como se pode constatar abaixo).
- Recorda a história, com a ajuda preciosa de uma investigação do portal de notícias desportivas globoesporte, que o povo croata «passou as passas do Algarve» para atingir a sua autonomia diplomática, depois de manifestada a sua intenção de se desagregar da extinta Iugoslávia: a Croácia alcançou a independência em 1991, mas esta só foi reconhecida internacionalmente em 1995, por força de uma guerra civil alimentada sobretudo pela fação sérvia, que pertencia igualmente à nação iugoslava; pelo caminho, o futebol transformou-se numa das grandes armas para a nação se afirmar, como o já referido primeiro jogo croata, ainda em tons de ilegalidade. Importa começar por relatar que a Iugoslávia – que incluía também as repúblicas Eslovénia, Bósnia-Herzegóvina, Montenegro e Macedónia, assim como as regiões autónomas Kosovo e Voivodina – tremeu com a morte do seu líder, Josip Broz, uma vez que as diferenças étnicas e estilos de vida dos vários povos, que já eram evidentes ainda antes do desaparecimento físico do «chefe de Estado», se fizeram sentir de um modo impactante, ao ponto de quererem viver num território próprio. Mas foi a vitória da (ainda) Iugoslávia, no Mundial Sub-20 de 1987, que ajudou a dar forma à vontade da Croácia de ser independente, em virtude de a maioria do plantel ser formada por croatas. Efetivamente, refletindo-se sobre o facto de ser estar perante uma geração de ouro de origem croata, os próprios jogadores croatas começaram a perceber que gostariam de honrar o seu país, conquistando feitos de relevo no futuro, o que já fazia antever que o panorama na Croácia, ainda parte da Iugoslávia, estava em vias de mudar.
- Tal como aponta a globoesporte, com a queda do Muro de Berlim – um momento histórico a nível global, que resultou na destruição da divisão física entre Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental (formada no pós-2.ª Guerra Mundial), e que fez as redes comunistas do mundo entrarem em colapso –, em 1989, os pedaços do Leste Europeu tremeram ainda com mais força, visto que também estavam inseridos num regime comunista. No caso da Croácia, em função da ruína do bloco comunista iugoslavo, esta até marcou as suas primeiras eleições no ano seguinte. Contudo, este último acontecimento acabou por «lançar achas para a fogueira», dado que, poucos dias depois, uma partida de futebol entre Estrela Vermelha – da Sérvia – e Dínamo Zagreb – da Croácia – acabou em pancadaria: segundo se consta, um grupo paramilitar sérvio, com o forte contributo de hooligans, organizou este ataque, de maneira a dificultar o movimento de independência croata, criando um ambiente de verdadeiro terror, desde a destruição da bancada até à disseminação de ácido pelas grades do estádio. Na altura, nem a polícia interveio para impedir o escalar de violência, focando-se até nos adeptos do Dínamo, o que levou Boban, ídolo croata que viria a carregar o seu país até a um incrível 3.º lugar no seu primeiro grande torneio – Mundial 1998 –, a desferir uma joelhada num elemento policial, por entender ser despropositada tal conduta e associá-la inclusive às injustiças que o povo croata estava a viver dentro da Iugoslávia.
- Todavia, o ano realmente desafiante no processo de independência da Croácia foi o de 1990. Mesmo numa partida amigável entre Iugoslávia e Países Baixos – à data, Holanda –, como jogo de preparação para o Mundial que se aproximava, grande parte dos croatas acabaram por assobiar o hino iugoslavo, o que anunciava justamente o fim da união patriota entre os diferentes grupos étnicos dentro do extinto país. Mas tal talvez tenha culminado a 26 de setembro de 1990, quando, na cidade croata de Split, novamente num jogo polémico entre sérvios e croatas – com o Partizan, do lado dos sérvios, e com o Hajduk Split, do lado dos croatas –, os adeptos da casa queimaram a bandeira da Iugoslávia. Ainda assim, o já badalado (e histórico) jogo entre Croácia e Estados Unidos da América ditaria o grande «virar de página», pois, por convite do treinador da seleção norte-americana, os jogadores assumiram, pela primeira vez, a pele da Croácia. Naquele jogo, que haveria de terminar com uma vitória da formação do Leste Europeu por 2-1, tanto jogadores como adeptos cantaram o hino croata afincadamente, assim como a camisola que passeava em campo, constituída por um inesquecível quadriculado vermelho e branco, haveria de se transformar num dos ícones do país, como ainda é nos tempos de hoje.

- Ora, deste modo, é possível apontar que o orgulho nacional, brutalmente criado num ambiente de resistência face aos adversários sérvios na guerra civil, está intrínseco às gentes da Croácia. Aliás, o futebol foi, mesmo no clima de guerra, uma bela ponte para a disseminação deste conceito: à época, quando estalou o confronto bélico – após a Croácia ter acabado por assumir a sua independência unilateralmente, em 1991 –, os futebolistas croatas foram dispensados do serviço militar e ficaram com via aberta para assinar por clubes além-fronteiras, com o intuito de espalhar o que se passava dentro do território do país e a identidade do seu povo, tais como o próprio Boban, transferido para o italiano AC Milan.
- É esta deixa, a do orgulho nacional, que vinca a camisola do equipamento secundário croata do Euro 2020. Desde logo, pela expressão estampada no seu interior, «Hrvatska Vatreni», cujo sentido se centra em ser sinónimo do tal afeto patriota. No entanto, esta camisola não se cinge a ser apenas uma alternativa viável à principal, revelando, pelo contrário, um considerável envolvimento com a génese do país: sem ignorar a importância dos seus míticos quadrados, a camisola incita uma valorização da história croata. Apesar de alimentar um certo charme de rua (em função de ser uma apresentação menos rigorosa quanto à sua habitual definição de um quadriculado perfeito), cria um interessante efeito pixelizado, o que acaba por favorecer fortes argumentos de criatividade.
2. ESLOVÁQUIA [Slovakia]: Além de a Nike ter trocado as voltas ao típico estilo da camisola principal eslovaca (ao prescindir da sua cor branca, habitualmente usada, como é possível verificar pelo equipamento utilizado no Euro 2016), a camisola para o Euro 2020 revela um conjunto de manchas de diferentes tons de azul que aponta uma orgânica combinação de azuis. Possui ainda uma faixa vertical, junto à zona do sovaco e em ambos os braços, que está articulada com a restante estética do modelo. Porém, embora pareçam pormenores meramente estéticos, a camisola principal da Eslováquia exterioriza importantes significados nacionais, ao incluir representações das partes montanhosas do país e elementos dos seus trajes folclóricos.
- Efetivamente, a camisola principal eslovaca começa por apresentar uma extensão considerável de manchas, que, por sua vez, representa as zonas montanhosas da sua geografia. É de reforçar que a fisionomia do relevo montanhoso da Eslováquia define, principalmente, os seus terrenos centrais e setentrionais, de modo que até pertencem a uma cordilheira cujo nome é Montes Cárpatos.
- Sendo a Eslováquia um país sem litoral, a sua geografia montanhosa acaba por assumir especial relevância. Aliás, os Montes Cárpatos reúnem ainda o Parque Nacional de Tatra, parte da imprescindível Reversa da Biosfera da UNESCO, em virtude de agregar elementos naturais de excelência e importantes para o planeta – entre os quais o Lago Strbske Pleso, em pleno território da Eslováquia. Portanto, intrinsecamente, esta componente geográfica retrata a essência do país.
- No entanto, os significados nacionais presentes nesta camisola não se cingem ao tributo em favor do relevo montanhoso do país. Também a tal faixa vertical, que percorre a camisola desde a zona do sovaco até ao final do tecido, evidencia pormenores de história e de recantos da memória da Eslováquia: seguindo a lógica da Nike, estes consistem numa homenagem ao seu folclore, reproduzindo símbolos ornamentais dos seus trajes. Na verdade, os trajes folclóricos da Eslováquia diferem de zona para zona, mas, por exemplo, o Grupo Folclórico FS Váh – um conjunto verdadeiramente tradicional (já com largos anos de existência, visto ter sido fundado, na cidade de Liptovský Mikuláš, em 1979) –, ainda mantém a autenticidade das performances dos seus antepassados. Desta maneira, pode-se apontar que o grupo continua a utilizar os trajes folclóricos originais da região de Liptov, interpretando não só artisticamente como idiomaticamente o folclore da zona centro-norte da Eslováquia. Por esta ótica, é natural que o folclore possua um cunho de valorização para a nação, dada a sua capacidade etnográfica de representar as gentes eslovacas, pelo que se compreende que a Nike tenha encontrado nestas nuances uma forma de expressar a componente histórico-social inerente às tradições deste país da Europa Central.
3. (&) FRANÇA [France]: Em termos indumentários, a França possui duas camisolas fiéis à sua imagem, no sentido em que respiram as cores da sua bandeira. Com uma fórmula simples e direta, ambas as camisolas espelham a sua bandeira tricolor e, apesar de duas abordagens distintas, todas as cores acabam por usufruir de destaque. Todavia, nelas, estão ainda relevados pormenores que, aplicando conceitos de estética, representam significados nacionais – por exemplo, a inscrição de «Liberté, Égalité, Fraternité» (em português, «Liberdade, Igualdade, Fraternidade»), o conhecido lema da Revolução Francesa, que corresponde a um dos grandes marcos da história gaulesa.


- Ambas as camisolas apostam, efetivamente, num registo de valorização da Revolução Francesa (ciclo revolucionário compreendido entre 1789 e 1799), dado o exemplo tipográfico do seu lema na zona interior da gola. De acordo com a Nike, tanto a principal como a secundária possuem a inscrição «Liberté, Égalité, Fraternité», inspirada numa tipografia especial presente no Instituto de História em Lyon.
- Crê-se até que a origem da expressão remonta a um período anterior à Revolução, por ter sido invocada, ainda no Século das Luzes (final do século XVII), pelo teólogo gaulês Fénelon. Contudo, inegavelmente, é com a Revolução Francesa que ganha ênfase, ao se tornar num dos eixos da sua construção: recorde-se que, à época, Robespierre, figura de proa dos jacobinos (nome atribuído aos populares radicais ligados ao início da Revolução Francesa) e responsável por vários eventos de Terror durante o período revolucionário, afirmou inclusive que queria colocá-la nos uniformes das guardas nacionais e na bandeira, apesar de tal ideia não ter ido avante.
- Ainda hoje, na verdade, este lema é adotado pelos franceses, o que demonstra o seu peso para a pátria. Aliás, pode-se afimar que «Liberté, Égalité, Fraternité» recorda a capacidade aguerrida dos franceses numa etapa muito conturbada da sua história. Na pré-Revolução, numa fase em que as colheitas rurais estavam a diminuir e os impostos senhoriais em constante crescendo, depois de o Estado absoluto de Luís XIV se ter metido na Guerra dos Sete Anos e ter esvaziado os cofres (também) com os seus excessivos luxos, a França estava a enfrentar uma forte crise socioeconómica. No entanto, em virtude da luta de franceses francamente desfavorecidos e da influência do Iluminismo (assente na idealização de uma sociedade mais justa e anti-reinos autocráticos), o Absolutismo gaulês acabou por cair por terra.
- Em suma, «Liberté, Égalité, Fraternité» guiou, durante o ciclo revolucionário, as ambições dos que encabeçavam a revolta, acabando por representar um estímulo crucial para um capítulo libertador, ainda que sangrento, para a França. Assim, está mais do que justificada a a sua inclusão nas camisolas francesas do Euro 2020.
- A sua implementação tipográfica não deixa, todavia, de lembrar uma ilustração de um livro relativo à Revolução Francesa, da autoria de Hector Fleischmann – «La guillotine en 1793» –, não só por ser usado nas camisolas um tipo de letra bastante idêntico mas também por uma estruturação seguindo um plano circular. Curiosamente, esta ilustração ainda invoca a parte «Ou la mort» (em português, «Ou a morte»), que integrava o lema original; porém, quando o lema original apareceu pintado nas fachadas de casas por toda a França (por volta de 1793), em função de estar demasiado associada ao terror, a última parte da fórmula foi rapidamente retirada.
- As duas camisolas ainda se evidenciam pelo facto de aplicarem o conceito de indumentária «marinière», a badalada camisola às riscas usada nos uniformes da Marinha francesa. Logicamente, a principal é mais explícita neste campo, ao recorrer às riscas – azuis – ao longo do tecido; no entanto, a utilização de uma cor branca, simples, na camisola secundária apela igualmente à marinière, ainda que esta última constatação esteja suportada por uma perceção pessoal. O que se pode dizer como factual é que a típica camisola às riscas francesa junta esteticamente o branco e o azul – branco no fundo e azul nas riscas. Tendo em conta que a camisola principal apenas sustenta as riscas em azul (utilizando, pelo contrário, um azul mais escuro de fundo, de modo que abdica do habitual branco da marinière), torna-se possível apontar que o branco da secundária se traduz numa valorização do que resta da marinière.
- Quanto à principal, há também o pormenor da risca vermelha na zona do peito, que recorda a camisola da vitoriosa França do Mundial 1998 – a equipa vencedora do torneio. À data, este capítulo teve um importante significado para a França, pois consistiu numa conquista inédita para os gauleses. O primeiro título de sempre em tons franceses. Por esta lógica, é normal que seja feita tal homenagem, ocupando um lugar especial na sua camisola principal do Euro 2020.
4. (#) INGLATERRA [England]: À imagem do supramencionado, a Inglaterra consiste na exceção à regra, pois é a sua camisola secundária que é a explorada neste artigo (de certo modo, em detrimento da sua principal). Todavia, de facto, a sua camisola principal limita-se a ser uma cópia mais requintada das suas camisolas principais do passado, não contendo grandes detalhes históricos ou de especial evidência nacional. Já a camisola secundária, além de ter uma gola de polo – o que, diga-se de passagem, acaba por ajudar na diferenciação relativamente à principal e até (quase) todas as restantes tidas em conta do Euro 2020 –, apresenta um emblema que, apesar de ter cores que não coincidem com as do original da Federação Inglesa (estando, no entanto, de acordo com as cores dos raios laterais), faz parte de uma obra de honra a um símbolo nacional: os míticos «Three Lions».
- Sem dúvida, a Nike aplicou nesta camisola um hino aos «Three Lions» (em português, «três leões»), denominação pela qual a Inglaterra é conhecida, em função da combinação das escolhas dos Reis Henrique II e Ricardo I – que optaram por incluir os leões e, em especial, um trio destes mamíferos carnívoros enquanto símbolo da Federação Inglesa de Futebol. Reza a história que o emblema da Inglaterra, futebolisticamente falando, é proveniente do brasão de «Armas Reais» britânico, que, por volta do século XII, servia para assinalar quer a Casa Real da época quer os exércitos do país. Aliás, o leão chegou a imagem da nação devido ao facto de, além de ser entendido como o «Rei da Selva», ser dono de uma força e suntuosidade que combinavam (e/ou combinam) com o cunho inglês, tendo sido introduzido no brasão nacional por indicação do Rei Henrique II; contudo, o Rei Ricardo II, cujo cognome até era «Coração de Leão», é que foi o responsável por definir a escolha específica de três leões, com o intuito de distinguir a monarquia inglesa das outras.
- Porém, o que importa reforçar é que esta segunda camisola inglesa premeia a grande imagem de marca da seleção e do próprio país, estilizando-a ao longo do tecido, não obstante numa forma subtilmente intrincada. Mas a camisola, por si só, é mais complexa ainda, uma vez que acaba por revelar igualmente um estilo retro – ainda que, de certo modo, os especialistas não a vejam tanto como um parte de um equipamento desportivo, atribuindo-lhe inclusive uma conotação de roupa que facilmente poderia ser usada numa situação pré-match. Ainda assim, embora esta dedução suporte um peso de visão pessoal, esta não deixa de receber uma certa inspiração na camisolas da fantástica Inglaterra do Mundial 1998, onde, apesar de eliminada nos oitavos pela Argentina, havia um plantel repleto de grandes figuras, como David Beckham ou Michael Owen. Não obstante os equipamentos de 1998 serem da autoria da Umbro, em termos de design, esta camisola «made in» Nike recorda as marcas laterais da camisola principal «mundialista», assim como a gola, presente tanto na principal como na secundária do torneio da reta final do século XX.
5. PORTUGAL [Portugal]: A camisola principal de Portugal, além de possuir o pormenor dos «patches» já referido, é um modelo que valoriza as duas cores com maior evidência na bandeira do país: o vermelho, de uma maneira mais extensiva, e o verde, nas laterais. No entanto, é impossível ignorar os ténues detalhes em dourado ao longo de todo o tecido, cujo objetivo, seguindo a lógica da Nike, resvala numa homenagem ao reinado intercontinental português.
- Ora, o passado de conquista intrínseco à expansão marítima portuguesa é uma marca indelével nos significados nacionais lusos, dado o legado e cunho vitorioso que deixou na pátria. Mas recordar os tempos áureos de Portugal enquanto motor do mundo já remonta ao século XV, onde o país estava imbuído num conjunto de fatores que obrigaram o rei a invocar um certo senso de destreza. Reza a história que, em virtude de a população estar a passar sérias dificuldades, D. João I ordenou que se partisse em busca de novas terras, com o intuito de, através do alargamento do território, colmatar bens em falta e gerar alguma riqueza. Contudo, ao fim e ao cabo, viria a ser o seu filho, o Infante D. Henrique, o grande responsável pela gestão das frotas, ao ponto de ter planeado e consumado a conquista dos arquipélagos dos Açores e da Madeira – o verdadeiro início da era dos Descobrimentos.
- Naturalmente, com foco somente no aspeto de conquista e de valorização patriota, o Portugal deste tempo representa uma fatia bem-sucedida da sua história, até pela própria durabilidade (entre o século XV e o princípio do XVII). Tendo contado com o mar como forte aliado, os portugueses alcançaram e governaram diversos territórios pelo mundo. Das colónias intercontinentais, foram retirados e comercializados pelos portugueses vários produtos, ajudando a combater as tais dificuldades socioeconómicas que o país estava a enfrentar. Um deles foi mesmo o ouro – proveniente, nomeadamente, de Arguim ou da Serra Leoa, conquistas da costa africana. O ouro foi, aliás, uma das fontes mais rentáveis para o Reino ao longo do período dos Descobrimentos. Deste modo, torna-se natural a utilização de diferentes traços em dourado na camisola principal de Portugal, até num elegante «P» na parte de dentro: não só simbolizam uma época dourada na sua essência como também um produto que ajudou a Coroa lusa a se regenerar enquanto nação.
- Curiosamente, o dourado é uma cor que, no futebol, já costuma representar momentos de destaque para Portugal. De recordar a iniciativa do Estoril-Praia, clube português que, através da introdução de uma camisola dourada nos seus equipamentos, homenageou a seleção A masculina portuguesa pelo título do Euro 2016. Nela, pode-se reparar também em Portugal marcado no mapa europeu. Coincidentemente, também o Euro 2016 consiste num momento capital para a história desportiva nacional, de maneira que o dourado usado na camisola do Euro 2020, por ser parte da versão seguinte à conquista do troféu, até pode ser igualmente uma menção ao feito da seleção A masculina.
b) ADIDAS
1. BÉLGICA [Belgium]: Quanto à Bélgica, a sua camisola principal mostra uma versão mais artística das cores da sua bandeira, renovando a perspetiva retro da sua camisola (principal) para o Mundial 2018, a última competição antes do desafio europeu em análise. Num estilo e vermelho fortes, a camisola belga impõe algum freestyle de longas pinceladas (quer em preto, quer num vermelho que se sobressai face ao vermelho de fundo), cujo objetivo da Adidas passa por criar um «B» estilizado. Apesar de ter perdido um certo destaque relativamente à camisola de 2018, o amarelo também não é ignorado, estando presente tanto na gola ou nas mangas (acompanhado do preto) como no símbolo da marca. Esta camisola de 2020, porém, também serve para explicitar significados nacionais, ao ser a primeira a usar a nova representação gráfica da Associação Belga de Futebol, o que não deixa de ser de um marco assinalável na realidade desportiva e social do país.
- Ora, numa ótica de importância nacional, a camisola principal belga para o Euro 2020 revela-se uma bonita obra em torno do futebol. Contudo, a sua estrutura estética até clama por outros horizontes. Embora assente numa visão analítica puramente pessoal, é possível apontar que a Bélgica sustenta um modelo que, apesar de refrescante em comparação com a camisola de 2018, mantém o seu capítulo retro. Aliás, a Adidas, já em 2018, tinha explorado o look retro, através da colocação de figuras geométricas ou de leves linhas, o que remete bastante para o que era usado nos anos 80 do século XX, principalmente. Todavia, o próprio uniforme do Euro 2020, voluntária ou involuntariamente, acaba por ter ligeiros toques do ambiente retro, no sentido em que, por meio das suas diversas pinceladas, acorda alguns estilos da velha Bélgica – como os da camisola principal do Mundial 1990 e a de Mundial 1994. Ou seja, recordando determinados uniformes do passado, a camisola de 2020 reúne a parte das linhas ao longo de todo o tecido – proveniente da versão de 1990 – e a lógica de pequenas «sprayzadas» – oriunda da versão de 1994 –, com o upgrade das pinceladas.
- Mas, acima de tudo, a camisola principal belga faz parte do primeiro conjunto de equipamentos que ostenta a nova representação gráfica da Associação Belga de Futebol, lançada na reta final de 2019, por ocasião da comemoração dos seus 125 anos. Aliás, repare-se que tanto as camisolas dos anos 90 como a camisola do Mundial 2018, acima expostas, têm um outro símbolo, nitidamente diferente em comparação com o da camisola do Euro 2020. Neste sentido, sendo um marco realmente histórico, a nova identidade traduz-se numa evolução que merece assinalamento, não obstante os três elementos fundamentais do ex-emblema terem sido mantidos: a coroa, os louros e o tricolor alusivo às cores da bandeira belga. Portanto, a camisola principal de 2020, além de fechar um ciclo e abrir outro, traduz-se num tributo ao futebol belga, respeitando o seu passado mas apelando igualmente ao seu progresso.
2. HUNGRIA [Hungary]: Já a Hungria manifesta uma camisola principal com um design deveras próprio, aplicando um estilo spray-paint. Com um vermelho sofisticado, a camisola acaba por ser bastante diferente do estilo habitualmente adotado pelos húngaros, tal como se verifica pela camisola usada na Fase de Apuramento para o Mundial 2018. Embora em ambas esteja presente o vermelho (e alguns toques de verde, como é lógico, em virtude da sua bandeira), o da Hungria do Euro 2020 expressa-se de uma maneira mais artística. No entanto, há uma razão de ser: apesar de não ser um modelo tão linear relativamente às suas cores, a Adidas aponta que este recurso artístico serve para representar o Rio Danúbio, cuja importância, culturalmente falando, para o país é irrefutável.
- O Rio Danúbio consiste, simultaneamente, no rio mais internacional do mundo, em função de atravessar dez países, e no segundo maior rio europeu (percorrendo 417 km só do território húngaro). Para a Hungria, o Danúbio desempenha um papel crucial, no sentido em que divide a sua capital – Budapeste – em dois núcleos, Buda e Peste. Contudo, a sua influência na realidade húngara também se centra na capacidade de servir de ligação entre o país e diferentes centros urbanos extra-fronteiras (como Viena, na Áustria, ou Belgrado, na Sérvia), cujos padrões industriais puxam por negócios com a comunidade da Hungria. Por esta ótica, o Danúbio tanto corresponde a um lugar de especial destaque, pela sua beleza e localização – estando, inclusive, as suas margens em Budapeste classificadas pela UNESCO como Património Mundial –, como a um elo de relevância económica.
- A verdade é que, à semelhança dos restantes países que banha, o Danúbio faz com que os húngaros moldem as suas vidas em função de si. Desde logo, devido ao facto justamente de ser, já há muitos anos, uma das principais vias de transporte fluvial da Europa. Porém, uma das suas notáveis particularidades está na direção do seu curso, que se orienta de oeste para leste, o que até aparenta estar explanado na camisola principal húngara: a forma como estão desenhadas as linhas horizontais, numa entrosada variação de tons, parece indicar tal movimento ondulatório.
- Ou seja, a camisola principal da Hungria regista um singular símbolo nacional, visto que coloca em ênfase um emblemático bem patrimonial para o país, cujas características acrescentam valor à nação, não só por atravessar a planície húngara como também por ser um fator de diferenciação na sua essência sociocultural e económica.
3. (&) PAÍS DE GALES [Wales]: Quanto ao País de Gales, este usufrui de uma camisola principal inundada com um vermelho forte, retocado por um amarelo torrado (a tender para dourado) resplandecente e uns pequenos detalhes de verde escuro e branco. Já a camisola secundária, ainda que sem a mesma personalidade da principal, apresenta um amarelo de rasgo que, entre umas ténues pinceladas de dois tons, mantém viva a tradição dos galeses: fazer uma camisola alternativa em branco ou em amarelo. Todavia, tanto a camisola principal como a secundária servem de exemplo de uma demonstração de amor à pátria, dado que acabam por homenagear, direta ou indiretamente, personalidades e elementos que contribuíram para a construção identitária do País de Gales.
- As camisolas do País de Gales são, de facto, espelho de uma profícua valorização patriota e evolução da nação. Por exemplo, ambas têm a «Daffodil Flower» (o narciso) – flor conhecida por ser símbolo do país – perto da zona da nuca, bem como o novo emblema da Associação de Futebol do País de Gales, nascido em 2019.
- Começando pelo narciso, em virtude de florescer na época do Dia de São David – o santo padroeiro do país, celebrado a 1 de março –, este traduz-se na flor nacional, não obstante esta perspetiva ter sido introduzida somente no século XIX, como substituto do humilde alho porro. David Lloyd George, o único galês a ter desempenhado o papel de Primeiro Ministro do Reino Unido, foi responsável pela chamada de atenção em torno da bonita coincidência de o narciso ter especial expressão na altura de São David, o que deu força e consistência à ideia de o transformar num dos ícones da nação.
- No entanto, quer na camisola principal quer na secundária, o narciso não se faz representar sozinho: a si, é acrescentada a expressão «Gorau Chwarae Cyd Chwarae» (em português, «O melhor jogo é em equipa»), o mote da seleção, que antes estava na zona do símbolo da Associação de Futebol do País de Gales.
- Em relação ao novo escudo da Associação de Futebol do País de Gales, este efetiva-se como uma evolução interessante face a todos os outros emblemas, no sentido em que, sem tirar o espírito dos seus antecessores, se torna mais moderno e sofisticado. O dragão fica mais preenchido, ao passo que o contorno verde (apesar da sua menor quantidade) harmoniza o escudo. Aliás, é centrado no dragão que esta mudança é explicada: de acordo com a própria Associação de Futebol do País de Gales, o dragão galês corresponde à personificação da valorização dos patamares de futebol da nação sob a sua alçada. A silhueta do dragão até encaixa no formato de escudo, não só para ser facilmente usável por todas as equipas nacionais como também para representar o coração pulsante do futebol galês, independentemente do nível desportivo em causa.
- De recordar que o dragão vermelho é um dos principais símbolos nacionais. Apesar das inúmeras versões da sua introdução na história do país, acredita-se que está relacionado com o seu lado bélico, quer devido à libertação da Grã-Bretanha dos romanos, ainda no século V, quer devido à luta entre galeses e ingleses, comandada pelo galês Rei Arthur, já no século XII.
- De um modo específico, a camisola principal lembra ainda as cores do escudo ancestral de Owain Glyndwr (herói galês que, no século XV, comandou uma revolução contra as tropas inglesas). Já a secundária recorda, ao adotar a cor amarela, precisamente a tradição de pintar a camisola alternativa dessa cor ou de branco. Veja-se, quanto à segunda camisola, um exemplo de 1951 (da autoria da Umbro) e outro de 2006 (da autoria da Kappa), que revelam justamente tal tendência – curiosamente, em ambas, o verde encaixa perfeitamente, o que se continua a manter em 2020.
c) PUMA
1. ÁUSTRIA [Austria]: Relativamente à Áustria, a sua camisola principal é um registo que eleva a imagem da nação, no sentido em que põe o vermelho em evidência mas também introduz preciosos rasgos de branco. Assim, além de recordar a bandeira nacional, equilibra esteticamente o modelo. No entanto, acima de pormenores de indumentária, esta camisola sustenta um quadro de significados nacionais, ao servir para vangloriar a etnografia austríaca com naturalidade.
- Efetivamente, em termos de significados nacionais, este trabalho da Puma traduz-se numa sublime homenagem à arte austríaca, dado contar com pequenos desenhos espalhados pelo tecido, em forma de tributo ao movimento da Secessão de Viena – movimento artístico nascido na parte final do século XIX –, fundado pelo artista austríaco Gustav Klimt. Aliás, a camisola em si, no que concerne ao grafismo, revela justamente um orgulho culturalmente identitário, devido ao facto de o seu estilo ser inspirado no típico uniforme alpino: de facto, as mangas brancas encaixam no vermelho do resto da camisola, à semelhança do que acontece com o «Dirndl», cujo modelo é reflexo dos habituais uniformes dos camponeses dos Alpes.
- Esta camisola também contempla o novo emblema da Federação Austríaca de Futebol, lançado em 2019 e para restrito uso nos equipamentos da seleção nacional. Embora não seja a substituição do emblema institucional da Federação e sirva somente para modernizar o escudo «futebolístico», tal alteração significa uma mudança digna de registo e destaque, uma vez que aborda fatores identitários do povo austríaco e clama pela representação do seu futebol.
- Por exemplo: dando ao seu Brasão de Armas (à esquerda, na perspetiva abaixo de «antes» e «depois») um estilo mais sofisticado, o novo emblema mantém a águia negra, símbolo da nação, em evidência. No entanto, não se trata apenas de uma valorização estética; há, pelo contrário, significados nacionais que se fundem em prol do novo escudo da Federação Austríaca de Futebol. Constituída por uma dezena de penas, a águia do novo design junta a paixão do amor à pátria com a do amor ao futebol: sendo a águia parte do Brasão de Armas enquanto sinónimo patriota da força e coragem dos austríacos, esta acaba por ganhar uma dimensão futebolística, na medida em que, tendo em conta as suas dez penas, faz por honrar as nove administrações regionais do futebol da Áustria, bem como ainda a própria «Bundesliga» austríaca – principal campeonato do país.
2. (&) ITÁLIA [Italy]: As duas camisolas dos uniformes da Itália são autênticas obras de arte – desde logo, por serem dotadas de uma harmonia visual aprazível. Aliás, em termos de indumentária, a Puma expressa dois modelos que dignificam o título pelo qual a Itália é popularmente conhecida, o de Squadra Azzurra (em português, «Equipa azul»): ambos colocam, tanto quanto possível, o azul em evidência. Ou seja, a camisola principal faz-se valer justamente de uma combinação poderosa de azuis, deixando o dourado, cuja pertinência está associada à sua presença no símbolo (à data) da Federação Italiana de Futebol, responsável por assinalar o ícone da Puma. Quanto à secundária, esta já se revela maioritariamente branca, o que remete para uma das cores da bandeira italiana; ainda assim, o azul também tem o seu papel em pequenos aspetos – como na gola ou no símbolo da Puma.
No entanto, o que salta verdadeiramente à vista nas camisolas de Itália são os desenhos habilidosos espalhados pelos tecidos, inspirados no Renascimento – um fabuloso estilo artístico nascido em terras italianas. Por conseguinte, as camisolas da Itália são exemplos de apreciação de movimentos fundamentais na cultura do país, revelando-se, deste modo, montras de homenagem a significados nacionais.
- Desde logo, a seleção italiana consiste numa seleção «fora da caixa», no sentido em que foge à questão da associação automática à(s) cor(es) da bandeira nacional. De facto, o azul não pertence à constituição cromática da bandeira italiana; porém, é a cor eleita para equipar a formação da Europa meridional. A verdade é que não há propriamente certezas absolutas sobre tal lógica, mas reza uma das lendas que esta curiosa escolha está relacionada com uma homenagem à Casa di Savoia.
- A Casa di Savoia foi uma família real que dirigiu um pedaço da atual Itália, após o Congresso de Viena (terminado em 1815), que visava reequilibrar politicamente a Europa depois da derrota do Imperador francês Napoleão Bonaparte. Recuando no tempo, importa introduzir que Bonaparte – grande personagem do final do ciclo da Revolução Francesa (acima abordado na alínea da França) – apoiou os jacobinos, por influência da sua aproximação a Augustin, irmão de Robespierre. Em virtude de tal amizade e do entretanto estabelecido governo de Robespierre, Bonaparte chegou mesmo a atingir o lugar de General de brigada e o de líder de artilharia na tropa francesa, que, na altura, tinha invadido o (hoje) território italiano. De facto, a França revolucionária começou a invadir outros territórios durante a Revolução Francesa, entre os quais reinos onde (atualmente) existe a Itália, de maneira a se antecipar a eventuais intenções dos seus vizinhos absolutistas.
- No entanto, devido a várias perseguições e execuções na própria França, o governo de Robespierre acabou por ruir: tal cenário desenvolveu-se depois da oposição ao caminho de sangue de Robespierre por parte de alguns companheiros jacobinos, que também foram, claro está, executados; contudo, esta eliminação dentro da sua fação tornou-o mais fraco e isolado, na medida em que deu força ao Pântano (partido membro – assim como os jacobinos eram – da Convenção Nacional, uma espécie de Poder Executivo francês) para proclamar o Partido Jacobino ilegal, culminando, assim, na detenção e execução de Robespierre (em 1794). Naturalmente, pela sua familiarização com o Partido, Bonaparte terminaria igualmente preso, mas, tendo em conta as suas qualidades militares, seria libertado com o intuito de ajudar a França a controlar ataques antirrevolucionários.
- Em 1799, fruto de uma excelente carreira militar além-fronteiras, já Napoleão tinha imenso prestígio em França – ocupando até o estatuto de herói nacional. Todavia, o país continuava mergulhado num ambiente de intranquilidade, dado ainda estar inserido no ciclo da Revolução Francesa, e conspirava-se que era fundamental a França ter um líder assumido – com Napoleão a ser um dos favoritos entre a população. Ora, reza a história que, devido a tais rumores, Bonaparte acabou mesmo por abandonar a sua campanha militar fora do país, com o propósito de derrubar o Diretório francês (entretanto criado em 1795, para tentar dar alguma estabilidade, perdida com as medidas radicais de Robespierre). O que, aliás, se efetivou. Com o Golpe de Estado protagonizado por Bonaparte, nasceu o Consulado, formado por Napoleão e mais duas personalidades gaulesas; todavia, Bonaparte, desde o início – fazendo-se valer do seu autoritarismo e ações de censura –, foi sempre o mais poderoso.
- Neste sentido, e tendo-se autoproclamado Imperador, Bonaparte instaurou uma ditadura no país, pautada por imensos conflitos externos. Porém, apesar de ter invadido vários países europeus durante a sua governação, o Imperador francês acabou derrotado e exilado – primeiro, na Ilha de Elba (na atual Itália), e depois, a seguir a uma tentativa de recuperar o seu poder, na Ilha de Santa Helena (em território ultramarino britânico). Em virtude do fim da Era Napoleónica (entre 1814 e 1815), as grandes nações absolutistas reuniram-se justamente no famoso Congresso de Viena, com o intuito de apostar no retorno do absolutismo, bem como na consequente reconfiguração do mapa do Velho Continente.
- Curiosamente e contrariamente ao que aconteceu noutros territórios, esta reunião de monarcas resultou na fragmentação da Itália. Ou seja, a Itália, como hoje é conhecida, ficou dividida em vários estados: apenas o Estado de Piemonte-Sardenha, o tal pedaço da atual Itália da responsabilidade dos Savoia, era independente; outros estados, como o Reino da Lombardia (sob alçada da Áustria), estavam sob governação de poderes estrangeiros. No entanto, após o fracasso de um movimento popular que pretendia precisamente o regresso do antigo mapa italiano e a consequente instalação de uma república democrática, a família real dos Savoia decidiu apostar, veementemente, no processo de unificação territorial.
- É pela mão de Vítor Emanuel II – da Casa di Savoia – (em 1861) que se estabelece o Reino de Itália, já com grande parte dos pedaços italianos unidos. Este torna-se também o primeiro rei da Itália unificada e consegue, durante o seu reinado, unir os restantes pedaços de território. Como tal, e visto a forte influência dos Savoia na «ressurreição» do país, crê-se que a cor azul colocada nas camisolas italianas se traduz numa intenção de homenagem à família real em causa, devido ao facto de se tratar da sua cor-símbolo. Reza a história que, ainda em 1366, na partida para as Cruzadas (expedições militares convocadas pela Igreja Católica, com o objetivo de defender o Cristianismo e reprimir a expansão dos muçulmanos), Amadeo VI di Savoia colocou no seu navio, junto ao Brasão dos Savoia (que consiste numa cruz vermelha posta sob um fundo branco, abaixo representada), um pano de cor azul, o que fez consolidar o «azzurro» como representação de tal família real. Por efeito, de uma forma natural, o «azzurro» chegou à realidade futebolística italiana, nomeadamente à sua seleção A – não se limitando, porém, ao futebol.
- Ou seja, voltando ao contexto «Euro 2020», pode-se constatar que ambas as camisolas da Itália valorizam o seu «azzurro», fazendo-o ter o devido destaque. Acabam, só através desta ótica, por ser exemplos de manifestação de significados nacionais. Todavia, a criatividade italiana vai mais longe: ambas ressuscitam também o poder do Renascimento, cuja história aborda o reuso de conhecimentos técnicos e teóricos provenientes da Antiguidade Clássica – ainda que, contrariamente à lógica clássica, utilizando a perspetiva matemática e os avanços da Ciência, tais como planos em profundidade (na escultura, nomeadamente) ou a valorização de estudos de Botânica, por exemplo. Dado a Itália ser o berço do Renascimento (enquanto movimento artístico-cultural e político que se estendeu por toda a Europa, desde o século XIV até ao século XVII), é natural que este surja como temática, pois pertence ao seio identitário da realidade da nação. Assim, por meio de duas camisolas repletas de cunhos geometricamente rigorosos, faz-se um louvor ao passado renascentista.
- Aliás, e tendo por base o requinte típico da arquitetura tradicional renascentista, torna-se possível afirmar que quer a principal quer a secundária são camisolas que revelam um esplendor assente no equilíbrio arquitetónico de tal época. Importa recordar que a arquitetura do Renascimento é conhecida por colocar em prática diversas características, entre as quais uma atenção redobrada face à proporção e uma definição de formas equilibradas e harmoniosas, bem como a aposta na simetria e na ordem. Deste modo, ambas mostram um tecido que, à mercê de quem as vê, se divide num eixo central, abrindo espaço a uma combinação simétrica, cujas visões panorâmicas espelham coerência e serenidade. No fundo, todos os elementos florais revelam-se proporcionais, o que augura a favor da ordem pedida pelo Renascimento.
- Pode-se dizer ainda que, quanto aos desenhos florais, a Puma se inspirou na decoração arquitetónica das grandes catedrais italianas. Segunda a própria marca – e sabendo-se que a Natureza se trata de um dos grandes temas do Renascimento –, o uso de desenhos florais em ambas as camisolas procura representar a beleza universal que a Itália inventou, ao ponto de ter revolucionado a Arte do mundo. Logo, o Renascimento consiste num elo fundamental na cultura italiana, pelo que acabou até por ganhar espaço no projeto geometricamente pensado da sua seleção para o Euro 2020.
3. CHÉQUIA [Czech Republic]: É possível que, de relance, a camisola principal checa aparente ser somente mais uma camisola de futebol, sem grandes rasgos de genialidade e de apelo aos significados nacionais. No entanto, quando observada com minúcia, constata-se a inscrição de leves detalhes que, de acordo com a lógica adotada pela Puma, remetem para o capítulo mitológico eslavo, em torno da importância da árvore Lipa/Tília relativamente aos seus antepassados. Ou seja, embora seja dona de um tom vermelho absolutamente normal (acompanhado de pequenos toques de azul em determinadas zonas), a camisola principal da Chéquia é um paradoxo entre requinte e simplicidade, pois sustenta um modelo que, sem ser extravagante, consegue espalhar beleza e atingir pontos fundamentais acerca do âmago histórico-social dos checos.
- De facto, a camisola principal checa está preenchida por um desenho angular inspirado na árvore Lipa/Tília, que, em tempos, foi significado de liberdade e boa sorte, segundo conta a mitologia eslava. Apesar de o quadro religioso atual revelar que a maioria dos checos é ateu, agnóstico ou não religioso (ainda que o Catolicismo e o Protestantismo continuem a existir e em progressão), a verdade é que a Chéquia sofreu uma considerável influência por parte dos seus antepassados eslavos: repare-se que, devido à pressão populacional existente no seu território de origem, estes povos começaram a ocupar o continente europeu, nomeadamente o território checo, entre os finais do século V e meados do século VI. Portanto, ainda que num ponto um pouco inicial da sua história, os eslavos foram fundamentais numa fase tanto quanto crucial para a definição da essência das gentes que formariam o futuro país.
- Com o decorrer da história, a hoje Chéquia acabaria por ser unida a outras tribos eslavas, como a hoje Eslováquia. Esta união territorial, cujo nome era «Grande Império da Morávia», ainda não havia sido evangelizada, à imagem do que aconteceria com os seus descendentes. Logo, tal como os outros eslavos, os antigos checos não tinham uma religião com uma estrutura hierárquica propriamente dita ou escrituras nitidamente construídas, pelo que não prestavam reverência somente a uma divindade enquanto arquétipo, antes pelo contrário. Ou seja, os eslavos, onde estão incluídos os checos do passado, eram politeístas, com plena crença num panteão de deuses, bem como com uma profunda conexão à Natureza e respeito pelos seus típicos episódios, desde dias de sol a tempestades.
- É em função desta profícua ligação que os elementos naturais, como a Lipa/Tília, ganharam dimensão na vida dos eslavos, independentemente de estes serem ocidentais, como o caso dos checos, ou orientais. No caso particular da Lipa/Tília, há a associação histórica à Deusa Mokosh, que, além de ser uma das pouquíssimas divindades num panteão intensamente patriarcal, era a responsável pela proteção da fertilidade, do parto e da mulher no geral, assim como da terra e da humidade. Não obstante esta ser maioritariamente invocada pelos eslavos orientais, Mokosh também está presente na realidade dos eslavos ocidentais: pelo que se consta, Mokosh era considerada a deusa da tecelagem e, em virtude deste poder, era seu dever zelar pelas ovelhas e preservar a respetiva lã, o que é sinal de uma missão de entrega à Natureza; no entanto, esta missão também se revelava noutros elementos naturais, entre os quais justamente a Lipa/Tília, enquanto significado de valorização das atividades femininas e dos acontecimentos naturais face à sua esfera de influência.
- Hoje em dia, a verdade é que a importância da Lipa/Tília para o país ainda se mantém, dado que os seus grelos continuam a figurar na bandeira oficial do Presidente da República, a par do brasão nacional grande e de um importante lema para os checos – «Pravda vítězí» (em português, «a verdade triunfa»).
d) JOMA
1. UCRÂNIA [Ukraine]: Os equipamentos ucranianos foram, provavelmente, os mais polémicos do Euro 2020. Por força do contexto bélico adormecido que a Ucrânia possuía face à Rússia – ainda antes da nova invasão territorial por parte dos russos em fevereiro de 2022 –, esta aproveitou a exposição da competição para se colocar em evidência e invocar o orgulho nacional, conseguindo criar uma poderosíssima fusão entre história e política. Na verdade, tanto a camisola principal como a secundária expressam as cores tradicionais ucranianas, embora numa ordem invertida; no entanto, a principal é um relato perfeito de significado comunitário, pois espalha, ao longo do tecido, pormenores que destacam a essência da Ucrânia e os seus sacrifícios enquanto povo.
- Enquanto objeto de uso de significados nacionais nas camisolas do Euro 2020, a camisola principal da Ucrânia corresponde a um excelente exemplo, mesmo que tenha atravessado um difícil processo para ter uma versão final. De facto, na sua primeira versão, a Joma colocou a polémica frase «Glória aos heróis», que remete aos gritos do povo ucraniano durante a 2.ª Guerra Mundial, bem como à Revolta da Praça de Maidan – em 2013 –, cujo efeito, esta última, resultou na queda do regime pró-russo. Como seria de esperar, os russos não acharam propriamente graça, por terem entendido esta frase na camisola como uma provocação política, o que até culminou numa queixa à UEFA.
- No final de contas, a verdade é que a expressão faz parte, efetivamente, de um cântico patriótico à volta do acontecimento da Praça de Maidan. Portanto, neste sentido, a UEFA acabou por reconhecer justamente que a expressão «Glória aos heróis» consiste numa referência de natureza política, o que não estava em conformidade com as regras da organização do torneio, levando, assim, a Joma a alterar a sua ideia inicial (através da eliminação da frase).
- Porém, as polémicas não se ficaram pela «Glória aos heróis». O facto de estar estampado (a branco, ao centro) o mapa da Ucrânia levantou igualmente uma forte onda de controvérsia, em função da inclusão do território da Crimeia – península ocupada pela Rússia em 2014 e que os russos consideram integrar o seu território, embora grande parte dos países da ONU entenda precisamente o contrário. Neste aspeto, a UEFA já tomou uma posição diferente, visto que autorizou a sua colocação, o que, no fundo, mostra que este comité organizacional acabou por não dar total razão nem à Rússia nem à Ucrânia.
- Ao fim e ao cabo, por meio da sua camisola principal, a Ucrânia apresenta a sua história – de certo modo – recente, com o objetivo de sustentar a sua posição político-social. Todavia, acima de tudo, a própria camisola explora o espírito da Ucrânia, não só a partir das cores alusivas à sua bandeira como também a partir de uma frase com um peso importante, «Glória à Ucrânia» – slogan principal do exército ucraniano –, colocada nas costas.
e) HUMMEL
1. DINAMARCA [Denmark]: Não obstante parecer ser só mais um modelo típico, a camisola da Dinamarca valoriza-se por ser inspirada na maior conquista futebolística do país – o Euro 1992. Porém, o que é de indicar é que a Hummel criou uma versão sóbria, cuja essência visual reside numa constituição maioritária de vermelho, com uma pequena aplicação de branco nas mangas (ainda que também com um ligeiro apontamento em azul; contudo, demasiado leve para se sobressair). Aliás, muito à semelhança da sua bandeira, na lógica de ter o vermelho a inundar o branco. Mas os contornos patriotas também se manifestam no facto de a camisola revelar ondas sonoras no dorso, com o desígnio de colocar em evidência a força dos dinamarqueses quando entoam o respetivo hino – o que revela que esta se trata de um bonito tesouro na esfera de significados nacionais.
- Ora, efetivamente, a camisola principal dinamarquesa tem uns chevrons na zona dos ombros, numa alusão aos que estavam estampados nas camisolas da sua surpreendente vitória no Euro 1992. Na verdade, em termos de futebol, o Euro 1992 corresponde, provavelmente, ao mais alto feito do país. Contudo, importa recordar em que contexto esta conquista decorreu: inicialmente, a Dinamarca não tinha garantido lugar na competição, mas, fruto da guerra civil na Iugoslávia (acima retratada, em torno da independência da Croácia), foi chamada à última da hora. Ou seja, indiretamente, a história da Croácia está relacionada com a da Dinamarca, pois foi graças à guerra entre os croatas e os seus (velhos) vizinhos que os dinamarqueses conseguiram participar no Europeu de futebol, ao ocupar o lugar da seleção iugoslava, entretanto vetada. Com uma formidável vitória perante a Alemanha (2-0), os nórdicos fizeram história, cujo peso foi recuperado para servir de referência à camisola principal do Euro 2020.
- Já num aspeto mais recente, ainda que igualmente no âmbito futebolístico, a Dinamarca expõe outro momento na construção histórica da sua camisola principal. Ora, num vermelho ligeiramente mais escuro, o tecido possui a representação de ondas sonoras, referentes às recolhidas no jogo diante da Irlanda, a 7 de junho de 2019 – em função da força vocal, enquanto cantavam o hino, de 34.610 dinamarqueses. Portanto, de uma maneira inegável, a camisola principal dinamarquesa acaba por incluir a garra dos seus nativos, espelhando, nesta ótica, a sua essência fervorosa no capítulo futebolístico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Posto isto, este artigo mostra que a forma como o Marketing se manifesta pode ser imprevisível; no entanto, nunca fortuita. O Marketing procura, acima de tudo, apostar em várias ferramentas para se regenerar (sempre) belo. Repare-se no presente caso: há um embelezamento, através da exploração dos recantos da memória de diferentes países, das camisolas das suas seleções para o Euro 2020. Já não são só mais umas camisolas de seleções de futebol, pois revelam índices de distinção e elevação. Logo, partindo do princípio de «um Marketing que quer renascer belo», tanto a Nike ou a Adidas como a Puma, a Joma ou a Hummel estruturaram, face ao retratado campeonato europeu de seleções A masculinas, uma fórmula longe de ter sido desenvolvida à base da sorte: é, pelo contrário, limada à volta da diferenciação – da capacidade de marcar uma posição, da capacidade de aprimorar a criatividade.
Desta maneira, em relação ao propósito do atual artigo, conclui-se que:
- As camisolas acima exploradas, tendo em consideração os seus pormenores histórico-culturais e/ou sociopolíticos, são exemplos da importante fusão entre significados nacionais e futebol. Portanto, a presente análise cumpre o seu papel de revelar modelos que, por meio do Euro 2020 (como última grande competição europeia de seleção antes do Euro 2024), refletem o futebol como palco para a exposição de valores e sítios próprios de uma nação.
- Todavia, não só. De facto, à imagem do supramencionado, a partir do momento em que as camisolas promovem elementos identificativos de um povo e incluem agentes de nostalgia em torno de momentos marcantes da sua história, nasce uma brecha comercial, por efeitos estéticos e emocionais. Assim sendo, esta análise mostra camisolas enquanto sementes de Marketing (Desportivo), uma vez que, com base nos vários argumentos que preenchem tais tecidos, se constata a adição de valor a uma «típica» camisola de futebol.
- Ora, por conseguinte, e visto o Marketing Desportivo aproveitar a paixão dos adeptos (neste caso, por norma, nativos de países) com vista à materialização de benefícios emocionais (entre os quais, obviamente, camisolas de futebol) [5], as camisolas em análise, independentemente da marca associada, traduzem-se em produtos especiais. Na verdade, acima do conforto inerente a vestir uma qualquer camisola, estas são "[artefactos] que circulam entre os campos da moda, campos esses que estão amparados no [trinómio] produção, consumo e distinção" [1].
Assim, para todos os efeitos, pode-se apontar que a presente investigação atingiu o seu objetivo científico. Porém, esta ainda conseguiu exaltar diferentes prismas de abordagem como, além de recordações dos recantos da memória, raciocínios de aproximação emocional.
Efetivamente, dada a colocação estratégica de pontos de referência nacionais nas camisolas analisadas do Euro 2020, a Nike, a Adidas, a Puma, Joma e a Hummel geraram uma fusão com um desígnio de identificação. Aliás, tendo em conta que uma camisola de futebol assume um papel multissemiótico (por possuir na sua constituição várias semioses, tais como cores, tipografias especiais e outros símbolos) [3], todas as consideradas acabam por agregar signos que enaltecem a sua mensagem – o que, em virtude de pertencerem à essência dos povos visados, pode agigantar o seu valor. Ou seja, independentemente do prisma de abordagem («Movimentos artísticos/Estilo retro»; «Homenagem ao futebol; «Locais de relevância»; «Acontecimentos históricos»; «Identidade sociocultural»), denota-se uma conjugação de ícones, de valias visuais, que estabelecem formas de comunicação orientadas para os nativos dos países tratados.

* Informações retiradas da perceção pessoal da autora da presente investigação.
Por conseguinte, os cinco prismas de abordagem não revelam apenas meras camisolas de seleções nacionais, nem tampouco se limitam (somente) a agrupar as camisolas em temas. Os prismas de abordagem oferecem a estas camisolas um estatuto de defesa do país, visto que "uma partida de futebol [corresponde a um] ato cívico de amor à pátria" [2]. Desta forma, cada camisola em análise é mais do que um simples argumento de moda, pois todas arcam com a responsabilidade de espelhar significados comunitários.
Assente nesta lógica, torna-se óbvio constatar que a Nike, a Adidas, a Puma, a Joma e a Hummel apostaram num ponto de vista identitarista com vista à produção de solidariedades entre um povo. Todas as camisolas (quer sejam resultado dos Parâmetros 1, 2 ou 3) fazem um correto cruzamento entre a história e a memória coletiva, na medida em que evidenciam a importância do tempo para o desenvolvimento de cada país (ao destacar momentos do passado com uma importância fundamental na edificação do país), bem como expressam a energia perdurante e vivaz sobre a essência das várias gentes.
- Naturalmente, as marcas não são o foco da investigação, mas sim os significados nacionais como objeto de Marketing. Porém, com o intuito de estruturar conclusões com «conta, peso e medida», importa começar por recordar que há marcas com mais países do que outras: a Nike reúne cinco nações (Croácia, Eslováquia, França, Inglaterra e Portugal), enquanto a Adidas e a Puma contam três cada (Bélgica, Hungria e País de Gales, para a primeira; Áustria, Itália e Chéquia, para a segunda); já a Joma e a Hummel apenas figuram com um exemplo cada (Ucrânia, sob o encargo da Joma; Dinamarca, sob o encargo da Hummel). Além de que, dentro de cada marca, existem países a sustentar duas camisolas, ao passo que outros apresentam somente uma. Portanto, as considerações a retirar do quadro de prismas de abordagem (acima exposto) não conseguem ser totalmente lineares.
- Ainda assim, há várias conclusões que podem ser enunciadas:
- 1. Desde logo, há uma forte tendência para o prisma de abordagem «Homenagem ao Futebol», o que é compreensível dado o Euro 2020 se tratar de um evento futebolístico. Efetivamente, é – a par do «Identidade sociocultural» – o prisma com mais versões (oito apontamentos) e com 4 das 5 marcas representadas (Nike, Adidas, Puma e Hummel). A renovações do símbolo federativo (Bélgica [Adidas], País de Gales [Adidas] e Áustria [Puma]) e referências a conquistas (Croácia – em torno de uma conquista dentro e fora do relvado –, França e Dinamarca) correspondem a grande parte dos apontamentos. Porém, outros aspetos relacionados com a seleção nacional do respetivo país são levantados, tais como a importância do hino numa partida entre nações (Dinamarca [Hummel]) e o próprio lema da equipa (País de Gales [Adidas]).
- 2. Centrando as atenções no caso particular da Puma, pode-se afirmar que o seu modus operandi (à exceção da modificação do símbolo da Federação Austríaca) passa pelos prismas «Movimentos artísticos/Estilo retro» e «Identidade sociocultural», assumindo uma posição de disseminação do património cultural das nações que representa. Em termos de identidade sociocultural, aborda importantes pontos etnográficos, ao valorizar crenças do povo checo (Árvore Lipa/Tília) e costumes do povo austríaco (Uniforme alpino). Já no capítulo de movimentos artísticos/estilo retro, invoca pormenores de períodos artísticos de renome, favorecendo um tributo aos seus países-berço (Itália, no caso do Renascimento, e Áustria, no caso da Secessão de Viena), na medida em os movimentos em si acabam por ser parte da cultura das respetivas nações.
- 3. Quanto à Hummel e à Joma, apesar de ambas manifestarem apenas uma nação cada (e, curiosamente, apenas a respetiva camisola principal), pressupõem interpretações manifestamente diferentes. Enquanto a Hummel opta por abordar o povo dinamarquês à luz do futebol (Conquista do Euro 1992 e Ondas sonoras em torno da entoação do hino numa partida), a Joma abre um verdadeiro livro de história e identidade acerca do povo ucraniano. Ou seja, face aos países tratados, a Hummel traz um exemplo focado em evidenciar a presença do futebol na Dinamarca («Homenagem ao Futebol»), ao passo que a Joma escolhe retratar, cultural e politicamente, momentos e expressões («Acontecimentos históricos», em torno do território da Crimeia, e «Identidade sociocultural», por via do lema do exército nacional) que relatam os desafios da Ucrânia como nação.
- 4. Já a Adidas espalha-se um pouco por todos os prismas, apesar de o caso do País de Gales ser mais complexo do que os restantes (na medida em que navega entre «Homanegam ao Futebol» e «Identidade sociocultural», contrariamente às outras nações sob encargo da Adidas – que se cingem a um só prisma) .
- No entanto, país de gales especial
- . 5.
Croácia e Dinamarca
França e Itália - bonaparte azul casa di savoia
«Movimentos artísticos/Estilo retro»; «Homenagem ao futebol; «Locais de relevância»; «Acontecimentos históricos»; )
acrescenta
Contudo, é evidente que cada marca autora da personalização adota o seu estilo. Até nesta implicação de escolher um prisma de abordagem em relação aos significados nacionais.
Isto é, "(...) simula-se um mundo, recorta-se, seleciona-se. Descarta-se o que deve ser secundarizado. (...) procede-se a uma romantização do que é trazido ao presente, com um efeito de magia" [3]. O que interessa é saber «vender o produto» – cada um mediante o estilo da respetiva marca responsável pela sua configuração, logicamente.
fortíssima arma de posicionamento estratégico, pois (neste caso) adiciona a todas as camisolas em análise – e, por consequência, às marcas responsáveis pela sua personalização (Nike, Adidas, Joma e Hummel) – . No entanto, Reza a literatura que a diferenciação faz parte de "uma filosofia básica de competição com foco na entrega do «melhor produto»" [4], pelo que cada camisola, independentemente de abordar elementos clássicos ou contemporâneos alusivos à sua nação, evidencia particularidades que a tornam especial face às restantes. Logo, a Nike, a Adidas, a Joma ou a Hummel (em função da utilização de significados tangíveis e intangíveis do país em causa) acabam por entregar um «melhor produto», dada a transformação de um argumento de moda numa representação de identidade nacional.
diferenciação para a qualidade do produto, isso deve ser comunicado aos consumidores mediante uma estratégia coerente e a abordagem deve ser integrada [5]
"é o tecido da memória". Portanto, em Análise de Discurso, a categoria da memória tornouse essencial, sem esquecermos que é justamente no processo
político e cultural que esse tópico mostra substancialidade:
rituais, esquecimentos, apagamentos, rememorações, ressurreições, fragmentação, embates, efeitos de memória em acontecimentos que despontam – no caso que examinamos, como
ilustração, as camisas de futebol, o efeito de retrô neste momento de uma cultura contemporânea [3] memória
Nota: Todas as informações incluídas na abordagem a cada camisola que não possuam citação são da autoria (direta ou indireta) da ESPN BR, retiradas do seu trabalho acerca das camisolas do Euro 2020. Tal como supramencionado, este trabalho de síntese e organização serviu de base à estruturação do presente artigo, não só na (importante) seleção prévia de camisolas para análise como também no fornecimento de conteúdo em torno das mesmas.
- [1] Toledo, L. H. (2019). (In)vestindo camisas de futebol: moda esportiva e agência na produção das emoções torcedoras. dObras, 12 (27), 32-46.
- [2] Costa, S. R. M. (2007, maio 23-25). Nação, comunidade imaginada pela mídia? O futebol-espetáculo e as identidades nacionais [Comunicação]. III ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura.
- [3] Carvalho, R. S. & Furlanetto, M. M. (2015). Memória, nostalgia e publicidade: O caso das camisas retrô de futebol. CASA - Cadernos de Semiótica Aplicada, 1 (13), 189-225.
- [4] Rosini, A. M., Dalla, C. B. & Santos, A. E. P. (2019). Perspectivas sobre o Marketing Estratégico, Estratégias de Marketing, Posicionamento e Segmentação. Revista Ensino e Pesquisa em Administração e Engenharia, 5 (1), 207-231.
- [5] Rosini,